Sunday, July 8, 2007

ALBERTO GONÇALVES DISSE

A RIQUEZA E A POBREZA DAS NAÇÕES (UNIDAS)

Entre 1990 e 2004, 270 milhões de pessoas deixaram de ser vítimas da pobreza absoluta. Positivo? Um leigo diria que sim, mas a ONU, que compilou os dados, não parece demasiado satisfeita. Embora registe a diminuição da miséria, o relatório das Nações Unidas ("Objectivos de Desenvolvimento do Milénio 2007") apressa-se a relativizá-la: o fenómeno é lento e distorcido pelo crescimento económico do Sul da Ásia e do Extremo Oriente; ainda subsistem (literalmente) 980 milhões de desvalidos com rendimentos inferiores a um dólar diário; a sida e as complicações derivadas da gravidez continuam a matar imenso; o "aquecimento global" é uma ameaça.

Significa isto que é indiferente reduzir ou não reduzir o número de pobres? Um leigo hesita. À primeira vista, para a ONU, a melhoria da existência material de 270 milhões de criaturas é relativamente despicienda enquanto houver um sudanês faminto, um paraguaio infectado pelo HIV, uma gravidez de risco no Brasil ou um resíduo de CO2 na atmosfera. À segunda vista, admite-se a custo alguns progressos, os quais, pelo que entendi do relatório, se devem a "lideranças políticas fortes, políticas consistentes, estratégias associadas a apoios financeiros e técnicos internacionais". Quando a coisa corre mal, a culpa é da distribuição desigual da riqueza, dos conflitos armados ou, naturalmente, dos países ricos, que não multiplicam as dádivas com a assiduidade desejável.

Na visão da ONU, portanto, a erradicação da pobreza depende, quase unicamente, da caridade. É uma perspectiva útil. Sobretudo porque fomenta os projectos e "investimentos" da praxe e, de caminho, evita referir um pormenor aborrecido: os países e as regiões em que a pobreza tem diminuído coincidem exactamente com os países e as regiões que, no período a que o relatório respeita, tendencialmente preferiram a iniciativa privada e a concorrência, a liberalização da economia e a abertura aos mercados externos. Por outro lado, a desgraça persiste ou agravou-se nos lugares submetidos ao proteccionismo, às nacionalizações, ao planeamento estatal e, para cúmulo, à esmola. A ajuda, os apoios e os "técnicos internacionais" são factores fortuitos, e frequentemente prejudiciais. O elemento comum aos casos de sucesso é a globalização, que após as contas aos "mas" e aos "ses", aumenta a riqueza para lá das considerações equitativas, tornando os ricos mais ricos e os pobres menos pobres. Dito de maneira que até Tarzan, esse cooperante pioneiro, perceberia: globalização, bom; não globalização, mau.

Lá para o final, o mencionado relatório reconhece equívoca e discretamente esta evidência. Não pode é divulgá-la com leviandade, ou os leigos acabariam sem objecções ao capitalismo selvagem e os especialistas da ONU sem emprego.

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