PLANO DE REFORMA DIPLOMÁTICA
Tendo o plano de reforma da diplomacia portuguesa, que oportunamente apresentei ao primeiro-ministro, sido hoje objecto de notícia (no Diário de Notícias), pareceu-me útil torná-lo público na íntegra, sem prejuízo da apresentação, em breve, de uma versão mais aprofundada e detalhada, na qual tenho vindo a trabalhar. É o que se segue. mmc
«Ex.mo Senhor Eng. José Sócrates
Primeiro-ministro do Governo Português
I.
Acompanhando com a maior atenção e preocupação a evolução da situação portuguesa em tudo o que diz respeito ao equilíbrio das finanças públicas, e ao esforço do Governo a que V.Exª preside no sentido de repor, e consolidar, esse equilíbrio, venho sugerir a consideração de um plano de reformas, e de racionalização de despesas, no sector em que tenho tido a honra de, nos últimos tempos, servir o país: a diplomacia portuguesa.
O plano, que assim venho colocar à consideração de V. Ex.ª, - e que, de resto, a meu ver, se integra na inspiração reformista do MNE, tal como foi assumida em 2005 -parece-me oportuno, justo e viável.
Oportuno, porque no momento em que as receitas orçamentais escasseiam, se impõem comportamentos e estratégias de acção política adaptadas a essa realidade, descobrindo soluções que salvaguardem o essencial, e se possível o reforcem, pois tal não é incompatível com um programa que corte com o acessório, o periférico e o transitório.
Justo, porque se esta preocupação é válida em todos os domínios da administração pública, não poderia deixar de o ser no âmbito da diplomacia, da política externa. A diplomacia portuguesa é sem dúvida um sector vital da administração do Estado português, que enfrenta, como todos os outros, dificuldades de vária ordem. Mas que também, como todos os outros, não deve ficar à margem do esforço nacional que - como tanto V.Exª como SEXA o Presidente da República têm sublinhado - tem que ser equitativamente distribuído por todos os portugueses, sem excepção.
Mas se a oportunidade e a justiça deste plano aparecem como imediatamente consensuais, já a sua viabilidade merece um atenção mais detalhada. São dois, aqui, os principais vectores a considerar: a reestruturação da rede diplomática em quantidade e qualidade, e uma nova perspectiva de afectação funcional dos seus agentes. Convém ter presente que estas reformas são hoje seriamente ponderadas em vários países, não só devido aos efeitos da crise, mas também em consequência das alterações que se deram no mundo das relações internacionais na convergência do processo de globalização com o da eclosão das novas tecnologias. Como há dias sublinhava um diplomata ao jornal Le Monde, as funções de um embaixador e de uma embaixada são hoje muito diferentes, quando se dispõe da Internet e os Chefes de Estado e de Governo falam entre si regularmente ao telefone. Também aqui, no campo da diplomacia, o mundo mudou, e são muitos os ajustes e as reformas que - tal como tem acontecido, por exemplo, na saúde ou na escola - se torna imperativo fazer.
II.
Nada ajuda mais a distinguir com clareza o essencial do acessório, do que os tempos difíceis. Por isso, quanto à reestruturação da rede diplomática, é preciso começar por sublinhar que o essencial é, sem qualquer dúvida, preservar e reforçar os interesses permanentes de Portugal; acessório será tudo o resto, desde que, directamente ou indirectamente, não comprometa aquele objectivo.
Ora, quais são os interesses permanentes de Portugal, enquanto Estado soberano e europeu, periférico mas consciente do seu potencial lusófono, de escassos recursos mas ambicioso de mais desenvolvimento? São precisamente aqueles que, por um lado, garantem a sua subsistência e o seu desenvolvimento, e, por outro lado, promovem a sua afirmação e a sua projecção. Esses objectivos são prosseguidos por variadíssimas formas e numa multiplicidade de níveis. No que toca ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, tais propósitos focam-se em três áreas principais: a política strictu sensu, e a sua acção nos domínios económico e cultural.
Delimitados por estas três áreas de acção, é fácil concluir que os interesses permanentes de Portugal na esfera política, económica e cultural devem ser realizados através da nossa presença e acção em determinados locais, mais do que noutros. Idealmente, seria bom que a todos pudéssemos dedicar a atenção adequada. Mas se a boa estratégia aconselha sempre clareza nas escolhas, hoje, os escassos recursos financeiros impõem-nas imperativamente. E qualquer boa estratégia começa na coragem das prioridades que ela fixa.
É isso que, a meu ver, aconselha uma urgente e bem planeada reestruturação da rede diplomática, que se poderia desenvolver em torno de cinco eixos: - o encerramento de determinados postos, o reforço de outros, a adequação funcional de outros tantos, a partilha de competências com outros organismos do Estado actuantes no plano internacional e o recurso a figuras menos tradicionais de representação e promoção dos interesses nacionais no quadro externo.
Todos estes cinco eixos são importantes. O mais controverso será, certamente, o do encerramento de Embaixadas, que implicaria a cessação dos contratos de arrendamento de chancelarias e residências e a eventual venda (ou reafectação a outras funções) daquelas que sejam propriedade do Estado Português. Mas quando o Estado encerra por todo o país serviços de saúde, escolas ou repartições de finanças, poderá a diplomacia ficar fora deste esforço nacional?
A pergunta nuclear a que é preciso responder é, pois, esta: em que capitais pode Portugal encerrar as suas Embaixadas, sem que isso resulte num prejuízo político, económico ou de prestígio para o país? O assunto merece, naturalmente, uma análise ponderada e detalhada. E sobretudo, o eventual encerramento de embaixadas não deve nunca ser visto como uma simples medida economicista, num contexto de dificuldades orçamentais. Uma tal decisão deve apenas, e sempre sob o prisma dos interesses permanentes de Portugal, equacionar-se em resposta à questão nuclear de saber o que beneficia Portugal em ter Embaixada aberta em - por exemplo - Sarajevo, Zagreb, Nicósia, Bogotá, Liubliana, Talin, Adis Abeba, Riga, Vilnius, La Valetta, Lima, Nairobi, Dakar, Banguecoque, Tunis, Harare…Ou à questão de saber se um Embaixador não poderia assegurar a chefia de várias missões que ficam na mesma cidade ou no mesmo país, como hoje acontece em França, nos Estados Unidos, na Suíça ou na Bélgica.
É certo que esta pode ser uma aproximação maximalista, mas em quantos dos postos acima mencionados não poderia fazer-se uma gestão conjunta da mesma região? O Magrebe, por exemplo: não poderia uma só (ou duas) Embaixada(s) assegurar a representação no Cairo, em Tripoli, em Argel e em Tunis? Nos Balcãs poderia colocar-se igual questão: não seria possível defender os interesses de Portugal a partir de um só posto que cobrisse quatro capitais (Sófia, Zagreb, Sarajevo e Belgrado)? E será imprescindível ter representação diplomática material em Islamabade e em Banguecoque? E o mesmo raciocínio se poderá fazer para certas Embaixadas em África ou nas Américas.
O fundamental é defender sempre, e do melhor modo, os interesses permanentes do país. E a resposta certa, creio, é através da presença nos centros de decisão política com repercussão nos interesses portugueses e nos países com os quais temos uma ligação histórica mais íntima. E que, de alguma forma, podem actuar connosco de modo coordenado na esfera internacional, numa partilha de sinergias útil a todos. Através da presença nos mercados de origem (e trânsito) dos produtos energéticos e de matérias-primas identificadas para a alta tecnologia e as indústria de ponta, bem como naqueles de que dependemos para a obtenção de bens alimentares. Não esquecendo, naturalmente, os nossos mercados de exportação actual e potencial, apoiando a internacionalização de empresas portuguesas.
Por outro lado, o facto de deixarmos de dispor de Embaixada em determinados países, não significa que os nossos laços – nomeadamente económicos ou culturais – enfraqueçam ou cessem. Pelo contrário, sempre que necessário, as missões da AICEP ou do Instituto Camões deveriam assegurar essa ligação, que assim passaria a estar limitada ao âmbito que, em cada caso, verdadeiramente mais interessa.
III.
Quanto à nova perspectiva da reafectação funcional, ela deve ser pensada como complementar da reforma da rede diplomática. Quer isto dizer que o Estado poderá servir-se do conjunto de Embaixadores e de Ministros Plenipotenciários que anteriormente estavam acreditados num determinado Estado, para uma representação mais activa e focada numa determinada região e num determinado sector.
Países há - Israel, por exemplo - que utilizam “embaixadores itinerantes”, aos quais é atribuída uma dada região do mundo ou um conjunto mais ou menos alargado de países, onde desenvolvem a sua actividade diplomática, no domínio económico ou cultural, com claros benefícios para o seu país de origem. Esta itinerância dispensa instalações fixas e outras dispendiosas estruturas que uma Embaixada implica, e assegura que um determinado funcionário se dedique integralmente a uma missão, ou a um conjunto de missões, de uma forma mais eficaz.
Em síntese, o plano que apresento à sua consideração consiste no seguinte:
1) – na redução do número Embaixadas de Portugal no Mundo, sendo a nova Rede da Embaixadas definida em função dos principais objectivos estratégicos do País. Em muitos casos manter-se-ia, naturalmente, o que está, mas combinar-se-ia esse facto com a criação de Embaixadas de âmbito regional e com a figura de Embaixador itinerante, entre outro tipo de medidas. Creio ser possível, sem qualquer prejuízo da qualidade da representação de Portugal no mundo, reduzir em 1/5 o número das nossas Embaixadas.
2) – a assunção por um só Embaixador de algumas das várias missões que existem numa mesma capital ou num mesmo país, como acontece nos Estados Unidos (bilateral e ONU), em França ( bilateral, Ocde, Unesco e Conselho da Europa, três em Paris e uma em Estrasburgo), na Bélgica (bilateral, Nato e União Europeia) e na Suíça (bilateral e Nuoi). É um procedimento já usado por vários países, nomeadamente pelos países nórdicos. Isso permitiria eliminar vários postos de Embaixador, com todas as despesas (e são muitas: residência, pessoal, carro, etc.) que isso acarreta.
3) – a estas duas medidas parece-me imperativo acrescentar uma terceira: a definição de um mais justo e transparente escalonamento dos “abonos” dos diplomatas em serviço no estrangeiro, bem como a sua tributação. Sobre este último ponto, torna-se difícil compreender o regime de total isenção fiscal que (através da sua equiparação a ajudas de custo) abrange estes abonos, sobretudo numa época em que tantas e tão pesadas restrições recaem sobre o comum dos portugueses. Ao tributar estes abonos, contribuir-se-ia para uma maior equidade no esforço colectivo que é pedido aos portugueses, afastando a ideia que há corporações privilegiadas no seio da administração pública.
Espero, Senhor Primeiro-ministro, que estas sugestões - que nas minhas estimativas permitiriam ao Estado Português uma significativa redução de despesa, na ordem de muitos milhões de euros por ano - , possam contribuir para a uma eficaz e prestigiante reforma da rede diplomática portuguesa e para o sucesso dos esforços que o Governo está a fazer no sentido de repor o equilíbrio das finanças públicas.
Ao inteiro dispor, com a maior consideração,
Manuel Maria Carrilho
Embaixador, Chefe da Missão de Portugal junto da UNESCO
(POSTSCRIPTUM - A proposta indicada em 2) exigiria, naturalmente, que as “missões permanentes” em questão passassem a ser chefiadas pelo Embaixador bilateral, pelo que devem ter um nº 2 (“Delegado-adjunto”) da maior competência e capacidade. Tenho naturalmente consciência que a proposta que faço implicaria o termo das minhas funções como Embaixador de Portugal na UNESCO. Mas quando se pensa no bem comum, as situações individuais pouco interessam.
Foi também por isso que, tendo em conta as dificuldades que o país vive, e contrariando o que estava previsto, solicitei que o automóvel da Missão de Portugal junto da UNESCO, apesar dos seus esforçados oito anos, continuasse ao serviço, deixando-se a sua eventual substituição para melhores dias. E que, por outro lado, requeri autorização superior para, caso se mantenha a actual situação, proceder às diligências necessárias à troca do arrendamento (feito em 26.05.1993) da actual residência oficial por uma outra, que seja – como deve e pode ser - substancialmente mais barata, sem qualquer prejuízo da sua dignidade funcional.»)
É QUE AGORA TEMOS A DIPLOMACIA EUROPEIA OU NÃO TEMOS?DEPOIS A RAPAZIADA TEM QUE SE CONVENCER QUE O TEMPO DAS VACAS GORDAS JÁ FOI.SÃO UM RECTÂNGULOZINHO, NADA PRODUZEM PELO QUE SE DEVEM É DEDICAR AO PASTOREIO EM VEZ DE MANDAR O ZÉ POVINHO...
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