Empresa nunca foi sujeita a concurso público e foi alargando valências sem pareceres
Quadro do IDT gere associação que domina equipamentos
30.09.2007 - 09h05 Catarina Gomes
Quase todos os equipamentos que dão apoio a toxicodependentes marginalizados na cidade de Lisboa são geridos por uma associação particular, a Ares do Pinhal, cujo presidente é desde há muitos anos um alto-quadro em organismos públicos na área da droga, actualmente no Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), o psiquiatra Nuno Silva Miguel. As valências e os valores envolvidos foram aumentando sem haver pareceres técnicos nem estudos das necessidades da população toxicodependente na capital.
O último equipamento para toxicodependentes gerido por esta associação, que é financiada sobretudo com verbas do IDT, mas também da Câmara de Lisboa, foi introduzido em 2005. O chamado Gabinete de Apoio Móvel é um consultório que funciona numa carrinha com um médico, um enfermeiro e um monitor.
A valência custa por semestre um máximo de 92.184 euros, 79 por cento das verbas vão para remunerações: 72.684 (números fornecidos pelo IDT para 2006). Contas feitas, cada um dos membros deste staff de três teria que ganhar, em média, por mês 4038 euros. A carrinha trabalha três vezes por semana (uma delas só à tarde).
Quase monopólio
A situação de quase monopólio da associação Ares do Pinhal começou quando decorreu a reconversão do bairro do Casal Ventoso, entre 1996 e 2001. Na altura, foi preciso criar estruturas de apoio para os toxicodependentes que ficaram sem abrigo. Desde 1998 que foi a Ares do Pinhal que tomou a dianteira no apoio.
Com escritórios na aldeia de Eiras (Abrantes), terra-natal do seu fundador, o psiquiatra Luís Patrício, e com comunidades terapêuticas fora de Lisboa desde 1987, a associação teve que fornecer como delegação em Lisboa o consultório deste psiquiatra, que se afastou do projecto há vários anos.
A direcção da Ares do Pinhal passou a ser assumida por Nuno Silva Miguel, que na altura da assinatura do primeiro protocolo era director clínico do Serviço de Prevenção e Tratatamento da Toxicodependência (SPTT) e hoje é assessor de conselho de administração do IDT. Na direcção da associação está também o psiquiatra Rodrigo Coutinho, que chegou a ser subdelegado regional de Lisboa e Vale do Tejo do SPTT e director do Centro de Atendimento a Toxicodependentes de Xabregas (Lisboa), onde hoje é psiquiatra. No site da Federação Portuguesa de Associações de Toxicodependentes surge como um dos números da Ares do Pinhal o telefone do CAT das Taipas.
Escolha temporária
A escolha da associação começou por ser uma solução temporária face à situação de excepção vivida no bairro, gerindo apenas um centro de acolhimento e um gabinete de apoio a toxicodependentes.
Cerca de nove anos depois do primeiro protocolo, a sua intervenção no âmbito do Plano Integrado de Prevenção das Toxicodependências para a cidade de Lisboa mantém-se em quase monopólio. De fora fica apenas um centro de abrigo que é gerido pela associação não governamental Vitae e que recebe poucas verbas do IDT.
A associação tem vindo a ganhar cada vez mais valências sem ter havido estudos de necessidades da população de consumidores problemáticos na capital, cujo número se desconhece. Segundo o que o PÚBLICO apurou, os pareceres técnicos dos serviços, necessários para justificar a existência de novos projectos, não foram dados. Também nunca houve concursos públicos para se saber se outras entidades prestariam estes serviços a preços menores. O ex-director do SPTT e actual presidente do IDT, João Goulão, afirma que o concurso vai ser lançado até ao final deste ano, porque só agora saiu a regulamentação necessária.
O PÚBLICO apurou junto de várias fontes que o departamento financeiro do IDT chegou a chamar à atenção das anteriores administrações para as irregularidades contabilísticas apresentadas pela Ares do Pinhal. A associação chegou a apresentar como despesas facturas de portagens de jipe para o Algarve, máquinas fotográficas e os valores de salários dos seus responsáveis estavam muito acima das tabelas da administração pública. As remunerações eram dadas às mesmas pessoas que acumulavam funções de direcção técnica nas várias estruturas e recebiam múltiplos ordenados.
Nuno Silva Miguel é hoje responsável técnico pelo centro de acolhimento e Gabinete de Apoio Móvel e Rodrigo Coutinho é responsável pelas outras quatro entidades (dois gabinetes de apoio e duas unidades móveis). De acordo com os valores constantes no protocolo de 2006, em média a Ares do Pinhal gasta na rubrica "honorários, remunerações e remunerações adicionais" 75 por cento das verbas atribuídas: até cerca de 1,7 milhões de euros por ano. Em 2005, os valores máximos andavam em torno de 1,5 milhões de euros por ano.
Das duas unidades que começou a gerir em 1998, a Ares do Pinhal tem hoje ao seu cuidado seis: um centro de acolhimento, um gabinete de apoio da zona oriental, outro na zona ocidental, duas carrinhas de distribuição de metadona e o Gabinete de Apoio Móvel. As verbas vêm sobretudo do IDT, que cede gratuitamente a metadona e algum material médico, em parceria com a Câmara de Lisboa, que cede as instalações.
Além dos seis equipamentos, a Ares do Pinhal tentou pôr a funcionar uma terceira carrinha de metadona. O protocolo chegou a ter as verbas atribuídas, mas a carrinha nunca funcionou. De acordo com o director e tesoureiro da Ares do Pinhal, Jorge Silva, o dinheiro nunca entrou nos cofres da associação. Informações fornecidas pelo IDT referem que o valor chegou a ser atribuído, mas foi devolvido.
A verdade é que as verbas constam do anexo financeiro do protocolo do primeiro semestre de 2005, a que o PÚBLICO teve acesso, designado como "reforço da intervenção", com uma verba total de 84.620 euros. No primeiro semestre de 2006 desaparece esta terceira unidade móvel de metadona, mas o Gabinete de Apoio Móvel sobe de custos: passa de 76.820 euros para 92.184.
Nos sucessivos protocolos é prevista uma comissão técnica de avaliação e acompanhamento que nunca saiu do papel, reconhece o actual presidente do IDT, João Goulão
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