Sunday, July 27, 2008

NÃO TÊM DINHEIRO PARA MANDAR REGRESSAR OS NOSSOS MORTOS MAS TÊM PARA "ACOLHER" QUEM OS MATOU

JUSTIÇA SOCIAL

Domingo, 20 de Julho

Em Julho de 2007, a minha casa reclamou obras urgentes e prolongadas. Após um ano, trinta intervenções de especialistas diversos, trinta orçamentos acometidos de inflação espontânea e trinta pronunciamentos da frase "Pois é, amigo, isto vai ser complicado …", a casa está um primor. Agora, sou eu a precisar de obras. Ter casa custa o trabalho de meia vida. Manter a casa custa o trabalho da outra metade e o sossego da vida inteira. Todos os portugueses sentem na pele esta evidência. Ou quase todos, visto que há cidadãos poupados à maçada pelo Estado.

Para legitimar o gesto, o Estado chama-lhes "pobres". Mas a pobreza, no contexto, é um conceito dúbio, que nem sempre depende do rendimento. Pelo menos no tempo em que derramei sociologia nesses bairros ditos sociais, a "atribuição" de residência dependia principalmente das graças de umas "assistentes sociais" ou, o que era a mesma coisa, da proximidade ao "partido" (sendo o "partido" a agremiação do cacique local). Certa ocasião, num bairro de Matosinhos, uma senhora com quatro ou cinco colares de ouro explicou-me sem vergonha: "Eles disseram que me davam o 'andar' se eu me inscrevesse no PS. Eu inscrevi-me, cheguei às "listas" para a Junta e eles deram-me o 'andar'."

A caridade estatal ignora o ouro da senhora do modo que ignora os carros ou os telemóveis exibidos por tantos dos beneficiários de casa gratuita. No curioso universo do assistencialismo, ser pobre é menos uma situação real do que um estatuto que se alcança com talento. Adquirido o estatuto, está aberta a porta das oferendas. Além da habitação, que naturalmente os alegados pobres deixam arruinar com a facilidade com que a obtiveram e com a impunidade de quem nunca terá de restituir o investimento feito, também existem o subsídio de "inserção", o fundo de desemprego e os "biscates" isentos de taxas. Dadas as manhas e a impunidade que frequentemente envolvem estes recursos, não admira que os mais ambiciosos do meio acrescentem o crime ao caldo.

E não admira que muitos dos necessitados passeiem o relativo conforto que boa parte da classe média não possui. Depois de perder o salário a pagar a casa em que vive e os impostos a financiar as casas em que os necessitados vivem, a classe média não fica abonada. O exercício designa-se por justiça social e, confinado aos aglomerados dos subúrbios e aos gabinetes da administração pública, convém que passe despercebido ao mundo exterior. De vez em quando, como na Quinta da Fonte ou no Aleixo, os frutos da justiça social transbordam um bocadinho e o mundo contempla a redistribuição na sua glória plena. Suspeito que o mundo não gosta do que vê. Com trinta facturas recentes a delapidarem-me a conta, eu não gosto.

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