O mundo das festas privadas com droga ao domicílio
SÍLVIA MAIA
O traficante entra na casa alugada, no centro de Lisboa, e deixa mil euros em cocaína. A encomenda havia sido feita por telefone. Naquela tarde de sábado, quase todos consomem. Estão acordados há mais de 24 horas e pretendem continuar a festa.
Quando todas as discotecas encerram, começam as after hours privadas, que podem durar todo o fim- -de-semana. Nas festas mais sofisticadas há DJ profissionais e o fenómeno parece virar moda entre jovens adultos com profissões liberais e uma instrução acima da média. O padrão que define as festas privadas é realizarem-se pelo dia adentro e exigirem a presença de dois ingredientes obrigatórios: música e droga. De resto, algumas decorrem em apartamentos degradados de porta aberta, outras em vivendas luxuosas; algumas são meros locais de consumo de droga, pouco seleccionados, outras reúnem todas as condições para prolongar a diversão. "As festas em casa de DJ acabam por ser como se estivesses numa discoteca. Porque eles têm o material todo para pôr música e às vezes até está mais de um DJ presente", revela Catarina (nome fictício), que trabalha numa das maiores produtoras nacionais de eventos musicais.
O ambiente pode ser "bizarro", mesmo para quem está sob o efeito de estimulantes. "Estive numa casa de estudantes estrangeiros onde só havia uma divisão mobilada. Todas as outras pareciam ter instalações de arte, com tintas no chão e coisas do género. A casa estava tão suja que acabámos por ficar na marquise e na cozinha. O mais engraçado é que ninguém sabia quem eram os donos da casa", conta Catarina.
Filipe, por sua vez, tem uma experiência diferente: conhece as festas à beira da piscina, onde "as pessoas aproveitam para apanhar banhos de sol, porque já é de dia". Aqui - relata -, o ecstasy circula num espírito comunitário: "Enquanto houver, o pessoal vai consumindo." Já nas festas de cocaína de Catarina, quem não participa financeiramente não entra. E existem algumas regras implícitas: "Leva-se sempre uma garrafa por cortesia e ninguém sai para comprar coca. Há sempre alguém que telefona e a droga é entregue ao domicílio."
Em todo o caso, a população de "borguistas" é flutuante e variada, "de todas as idades, estratos sociais e económicos". E é mesmo normal a presença de caras "famosas do mundo da música ou da representação". É exactamente esta miscelânea de personalidades que atrai Catarina.
Na chamada "noite" vê-se todo o tipo de gente e há mesmo encontros imprevistos. Isabel (nome fictício), 28 anos, guionista de telenovelas famosas, recorda que ainda recentemente encontrou uma colega de trabalho, "que é mãe e tem 40 e tal anos" na casa de banho de uma festa.
A guionista sublinha, no entanto, que este ambiente pode tornar-se decadente. "As pessoas estão acordadas há muitas horas e o nível de droga e álcool é muito elevado", justifica.
Catarina lembra a história de um "actor conhecido de novelas" que entrou numa after privada aos gritos: "Droo-ga. Onde é que há dro-ga?! Quero droga." E que, de repente, caiu redondo no chão. "Apanhámos um susto. Tivemos de o levar para o hospital, mas ele acabou por ficar bem", recorda.
O lado duro desta diversão é o dia seguinte. Para a maioria, segunda--feira é dia de trabalho, é dia de voltar à rotina, depois de cometidos todos os excessos.| LUSA
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