Sunday, November 4, 2007

A OPOSIÇÃO PS E PCP SERVE-SE DO GOVERNO

PESQUISAR
Rui Rio na primeira entrevista a meio do segundo mandato
“O maior cancro do País é a justiça”

O presidente da Câmara do Porto faz um balanço positivo da prestação da coligação PSD/PP nesta metade do segundo mandato, apesar de confessar que gostaria de ter feito mais e melhor. Aborda a questão da habitação social, a reabilitação da Baixa e responde às acusações da oposição face ao alegado défice democrático em vigor na câmara. Rui Rio aponta o dedo acusador à justiça e à saúde, aconselhando o primeiro-ministro a substituir Correia de Campos.

Maria José Guedes

Que balanço faz destes dois anos do segundo mandato da coligação PSD/PP?
O balanço que faço desta primeira metade do mandato é positivo. Estou contente com o que aconteceu, sendo certo que gostaria de ter feito mais coisas, e de ter feito melhor. Era muito mau se eu dissesse que era impossível fazer melhor. Agora, fazendo uma comparação com o mandato anterior, eu manifestamente estou muito mais satisfeito. Em primeiro lugar, um segundo mandato é sempre mais fácil do que o primeiro, porque na primeira metade do primeiro estamos a aprender e estamos a cometer erros decorrentes do facto de não termos um conhecimento completo, o que é normal. Não estou a dizer com isto que não se deve mudar de presidente de câmara nunca, porque ao fim de 50 anos é que se conhecia e percebia de tudo, não é bem assim…deve-se mudar.

Alguns há que ficam mais de duas décadas…
Esse perigo comigo não existe. Como dizia, a segunda metade do segundo mandato é sempre mais fácil e mais produtiva, e o povo, na sua sabedoria, raramente troca de presidente ao fim de um mandato. O povo tem valorizado isso e tem sido inteligente nesse aspecto. Eu também tenho condições melhores nesta altura do que há dois anos. Eu no outro mandato não tinha maioria absoluta, portanto tinha de fazer uma coligação com o Partido Comunista, que, apesar de dizer que não era uma coligação, na prática teve um pelouro importantíssimo, em termos de funcionários era o maior, o do Ambiente, e depois toda a gestão do então SMAS, hoje Águas do Porto. Naturalmente que o Partido Comunista geriu o pelouro segundo a sua perspectiva e não segundo a minha. É evidente.

Mas se o presidente não concordava com a política que estava a ser seguida pelo PCP no pelouro do Ambiente, porque o mantinha…
Podia falar e negociar e isso foi feito. Hoje o engenheiro Rui Sá mudou o seu comportamento, o que me desgosta um pouco, mas no primeiro mandato devo dizer que do ponto de vista da relação pessoal tudo era muito simples. Ele era uma pessoa com um relacionamento pessoal fácil, o que ajuda muito, mas chegámos a um dado momento, e … ele tem as convicções dele, porque é comunista e eu não sou , tenho outras. Como é que desempatamos? É complicado. Estávamos ambos, em particular eu, a respeitar o resultado eleitoral dessa altura. E a leitura do resultado eleitoral era a seguinte: eu quero que sejas presidente da câmara, mas não quero que seja só com os partidos que te apoiam, têm de ir buscar outros equilíbrios. E foi isso que tive de fazer. Claro que podia ter feito a coligação com o PS. Achei melhor fazer com o PCP, porque o PS, como é a alternativa mais óbvia, o único partido que tem força para poder aspirar a ganhar a Câmara do Porto, é mais genuíno e mais equilibrado tê-lo na oposição e fazer um acordo com um partido mais pequeno. É mais salutar. É muito mau quando o PS e o PSD, nas câmaras, se entendem e depois quase que secam a oposição. Esse bloco central de interesses como acontece em muitos municípios é muito negativo.

E não é o que acontece com uma qualquer maioria, que seca qualquer oposição?
Não, não seca, por essa lógica teria secado no primeiro mandato, porque criei uma maioria com o PCP, logo sequei o PS. Não é bem assim, porque o PS tem força própria.

Mas que ficou apagado, ficou!
Mas isso já é um problema deles. Neste segundo mandato não tenho que fazer esse tipo de equilíbrios, ou seja, as pessoas podem responsabilizar-me mais. Isto tem permitido uma acção e uma equipa muito mais homogénea. Hoje a própria cidade reconhece que a equipa funciona bem, que é solidária e coesa. E falando na questão do ambiente, por exemplo, repare o que nós não fizemos nas águas do Porto, a sua transformação depois dos SMAS. Estão lá dois vereadores não executivos, no conselho de administração, mas depois no dia-a-dia quem monta a empresa, quem manda e faz as reformas é um técnico contratado para isso. Mas lá está, para isso, tenho de ter a maioria. Acho que é notório que estamos a funcionar agora muito melhor do que há dois anos. Porque temos experiência adquirida. Eu criei a empresa municipal de habitação a meio do outro mandato.

Quanto à habitação já lá vamos, mas uma das questões que mais tinta tem feito correr nestes últimos tempos é o problema da segurança no Grande Porto. Que comentário é que lhe merece esta situação?
É um problema nacional, e depois, especificamente, aqui no Grande Porto. No concelho do Porto e naqueles que lhe fazem fronteira. Há duas vertentes: uma de carácter nacional, onde a responsabilidade deve ser imputada ao Governo e ao Ministério da Administração Interna. Há depois vertentes de carácter municipal. Há municípios onde a câmara pode fazer bastante pela segurança urbana e há casos em que a autarquia pouco pode fazer. No caso do Porto, a câmara pode fazer alguma coisa pela segurança urbana. Porque decorre de matérias que estão sob a responsabilidade da gestão da edilidade alguma insegurança. A questão dos bairros sociais críticos. A maior parte não tem problemas sérios de segurança, agora há bairros pesados e difíceis como foi o São João de Deus, como é o Aleixo ou o Lagarteiro…

Nesta altura o pior é o Aleixo?
É. Nomeadamente a «Torre Um». O que acontece é que quando nós colocámos como primeira prioridade a reabilitação física e urbana dos bairros sociais estamos numa estratégia de reforço da coesão social e de reforço da segurança urbana. E se não o fizéssemos, não valia de nada o Governo apostar na segurança. Na Câmara do Porto, ao contrário da maior parte das outras autarquias, nós temos também responsabilidades nisso. Estamos, por isso, a fazer essa reabilitação. Ao mesmo tempo, com o Porto Feliz combatíamos a toxicodependência e os arrumadores, lutando contra a pequena e grande criminalidade. Os arrumadores existem porque existem os traficantes. Quando deixarem de existir, os traficantes desaparecem. Quando cuidamos de apoiar tentando reabilitar quem consome estamos a combater a grande criminalidade, porque estamos a acabar com o mercado dos traficantes. Mas temos que pôr a Justiça a funcionar. O maior cancro do País é a Justiça. Há muita coisa mal em Portugal, se calhar mais coisas más que boas, mas não tenho qualquer dúvida que temos de começar pela justiça. A forma como a Justiça tem funcionado é uma coisa dramática para toda a sociedade. Quantas vezes não se queixam os polícias: “fizemos o nosso trabalho”, o indivíduo é presente ao juiz e depois é liberto duas horas mais tarde, é um desincentivo tremendo para a polícia. A população sente falta de confiança nas instituições. Há aqui um trabalho ao nível central que tem que ver com a Justiça, com a Administração Interna e tem a ver com questões de carácter social, como a questão do desemprego. E claro, há uma vertente que tem ligação directa com a autarquia portuense, que é esse trajecto que estamos a fazer no âmbito da coesão social.

Então como é que se justifica que a oposição diga que o Porto Feliz, durante o tempo em que funcionou, só conseguiu reabilitar uma pessoa?
(risos) Eu quando estive no Parlamento, entre 95 e 2001/2, até chegar à Câmara do Porto, fui oposição. Nunca fiz o que eles fazem, porque na oposição também temos de saber ser inteligentes. Portanto, enquanto oposição só me facilita a vida que digam que o Porto Feliz reabilitou um, dois, três ou quatro e que não servia para nada. Eles dizem isso, e podem fazê-lo porque as pessoas estão na ignorância e não sabem a verdade. Com o Porto Feliz isso não é possível. Está na rua. As pessoas do Porto sabiam exactamente, em 2002, quando cheguei à câmara, como estávamos em matéria de toxicodependência e de arrumadores na rua, e sabem a realidade de há um ano, quando acabaram com o Porto Feliz. Foi a partir de 15 de Novembro do ano passado que deixámos de poder internar quem quer que seja, não podemos tirar mais ninguém da rua porque o Governo, por via do IDT, acabou com o Porto Feliz.

Tem apenas a ver com a falta de dinheiro?
Não só. É um protocolo tripartido: IDT, Segurança Social e Câmara. Com a Segurança Social funcionou bem, e repare que também é um organismo governamental e não faço qualquer crítica, muito pelo contrário, tenho de aplaudir. Já relativamente ao Ministério da Saúde, ao ministro Correia de Campos e ao IDT, aí sim, sempre fizeram oposição ao Porto Feliz. E foi tanta que a dada altura acabaram com o protocolo. Há a questão financeira, mas há também o protocolo necessário para nós podermos internar as pessoas. Sabe que uma câmara municipal não tem tutela sobre a saúde, portanto tem de haver um protocolo com as entidades responsáveis aos mais diversos níveis para o Porto Feliz funcionar. E começa com o internamento, ou seja, quando se convence a pessoa a sair da rua ela é internada para desintoxicação e depois continua internada. E essa parte da desintoxicação e da medicação é o apoio, é a parte fundamental do apoio do IDT. E a parte da Segurança Social é, por exemplo, as dormidas, os abrigos. Só funciona assim. O IDT tem um entendimento diferente, que passa por não reabilitar as pessoas, mas sim dar-lhes melhor qualidade de vida, desde melhores sítios para elas se drogarem, como seja as salas de chuto, a minorar os efeitos negativos da droga. Nós, com o Porto Feliz íamos muito mais longe. Íamos reabilitá-las completamente. Até terem formação profissional e se poderem integrar.

Então qual foi a justificação para o fim do Porto Feliz?
Quando foi criado, a situação no Porto era dramática em termos de arrumadores e o programa teve êxito, ao contrário do que acontecia antes de eu ser presidente. Portanto, a oposição, de uma forma pouco inteligente, em minha opinião, mas eles é que têm de cuidar de si, não eu, estiveram sempre contra um programa que teve êxito. E persistem agora em estar contra, quando objectivamente ainda não estamos como estávamos em 2002, apesar de haver já hoje muitos mais arrumadores do que há um ano atrás, quando estava a funcionar o Porto Feliz. Isto é um disparate. E agora até criticam as quinze personalidades que assinaram o documento para o ministro da Saúde e para o primeiro-ministro, no sentido do protocolo voltar a ser assinado com a câmara.

Acha que esse documento, além do barulho que já fez, vai levar a algum lado? O ministro Correia de Campos irá ficar mais sensibilizado com as assinaturas «reconhecidas» que lá figuram?
Não. O ministro Correia de Campos já não consegue estar sensibilizado para nada, é a minha opinião.

É um braço-de-ferro?
Acho que o ministro já não vai a lado nenhum. Eu não estou apenas a fazer uma avaliação do que ele está a fazer relativamente ao Porto. Estou a fazer uma avaliação mais global, onde o Porto é uma peça muito importante. Não é compreensível que um ministro tenha sucessivas notícias sobre a forma como o IDT está a gerir os seus dinheiros em ligação a uma associação privada nos quais há interesses cruzados, e não venha desmentir. Não veio dizer que já cuidou de saber, que já fez um inquérito, que não é verdade… não diz nada! Não mete o IDT na ordem apesar de ter sido solicitado para isso… sinceramente acho que o ministro Correia de Campos está muito desgastado e se houver uma remodelação, a seguir à presidência portuguesa, acho que o primeiro-ministro fazia muito bem em substituir Correia de Campos. As quinze personalidades que assinaram o documento pelo Porto Feliz podem ter alguma acção junto do primeiro-ministro, e este junto do ministro da Saúde. Por aí sim, directamente pelo ministro da Saúde já não acredito que ele tenha força, vontade…

Ainda a saúde, como vê a decisão da localização do futuro centro materno-infantil nos terrenos da Maternidade Júlio Dinis?
Uma coisa são as notícias que se conseguem, o espectáculo que se dá, a forma como se atira com o pó para o ar para as pessoas verem um pouco pior. O centro materno-infantil estava pensado para o sítio onde está o Bairro Parceria e Antunes, aliás, construído com base num protocolo que leva a que o ministro Correia de Campos ainda hoje devam um milhão de euros à autarquia. Não sei se ele faz assim no supermercado…mas com a Câmara do Porto não tem pago o que deve e obriga-nos a mover uma acção em tribunal, que está a correr. Demora o seu tempo, porque todos nós sabemos que a justiça demora, mas lá terá de o valor em falta, mais os juros daí decorrentes. É feio, porque nem é muito dinheiro, se pensarmos no orçamento de Estado. Agora, quando se fala que o centro materno vai para ali…ele vai é para os quintais anexos à maternidade e do ponto de vista urbanístico, vamos ver o que para ali vai aparecer em termos de densidade, num sítio onde as ruas são estreitas…O problema é que a Lei está mal. O governo pode cometer os erros urbanísticos que entende porque as câmaras nada podem fazer.

No comments: