Godelieve Meersschaert: "Encontrei na Cova da Moura pessoas que tinham tempo para os outros"
Milagres - é católica?
Não, são dessas coisas que me acontecem muitas vezes e fico a pensar que não somos nós que escolhemos o caminho. Muitas vezes, são coisas que nos aparecem na vida, coincidências. Mas o que é uma coincidência? Pode fazer-se toda uma filosofia à volta disso.
Mas pertenceu à JOC, uma organização católica.
A semana transformou-se em décadas.
[ri-se] Essa minha amiga e o marido, o Jacinto, que eram camponeses do Couço, no Ribatejo, onde foi muito duro no tempo de Salazar, faziam parte da comissão de moradores.
Vê-se no bairro muita gente desocupada.
Há um grupo de pessoas desempregadas, mas somos 6500 moradores. O desemprego foi um grande problema para as pessoas com 40 e 50 anos durante o governo de Passos Coelho.. Vi muitos vizinhos a chorar, que sempre tinham trabalhado na construção civil e que foram despedidos. Agora a situação está muito diferente. Também houve quem fosse para o estrangeiro. E quando chega ao Natal e a agosto, muitos regressam. Ouve-se falar inglês, neerlandês, francês, pessoas com uma visão do mundo muito alargada.
porque o Moinho nasceu com uma biblioteca, mas o mais importante é a dinamização de toda uma cultura, como a celebração do Kola San Jon, que foi proibida em Cabo Verde antes do 25 de Abril.
Trabalhou sempre como psicóloga?
Não, a partir de 1985 e até me reformar trabalhei no Ministério das Finanças como especialista de informática. Fazia aplicações para o Orçamento do Estado e o controle orçamental.
Quais foram os momentos que a fizeram mais feliz?
Primeiro, estar com o meu marido [ri-se], as minhas coisas boas estão ligadas a ele. O que me deu muita satisfação foi a realização do colóquio "Kola San Jon - Cultura proibida, património estimado", em junho de 2015, e o colóquio das Batucadeiras, em abril de 2016, ambos no Museu Nacional de Etnologia.
O que é que faz o Moinho da Juventude?
Temos vários projetos e peritos da experiência que trabalham em paralelo com educadores e formadores do Moinho (nas creches, no Jardim de infância, no PULO, no CATL). É exemplo o projeto do Missing Link que organizamos com centros de formação da Bélgica, da Alemanha, dos Países Baixos e da Bulgária, onde é realçada a importância do perfil do perito da experiência. A experiência de ser imigrante ou ter vivido a pobreza proporciona outra perspetiva nesta sociedade. O perito da experiência já é reconhecido oficialmente nestes países e o Moinho está a trabalhar com a ANQEP [Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional] para reconhecer esta profissão.
Em Lisboa também há problemas. Aqui acontecem coisas como em Lisboa, na Praia da Luz, na minha aldeia na Bélgica, por todo o lado, agora aqui estigmatiza-se uma comunidade, e porquê? Por causa da especulação imobiliária, é o que vemos que está a acontecer. E também tem que ver com a forma como se olha "o outro", sobretudo as pessoas com falta de autoestima.
Vê-se no bairro muita gente desocupada.
Há um grupo de pessoas desempregadas, mas somos 6500 moradores. O desemprego foi um grande problema para as pessoas com 40 e 50 anos durante o governo de Passos Coelho. Vi muitos vizinhos a chorar, que sempre tinham trabalhado na construção civil e que foram despedidos. Agora a situação está muito diferente. Também houve quem fosse para o estrangeiro. E quando chega ao Natal e a agosto, muitos regressam. Ouve-se falar inglês, neerlandês, francês, pessoas com uma visão do mundo muito alargada.
Como é que surgiu o Moinho da Juventude?
Com a crise do FMI [1981] era complicado conseguir trabalho e fui corrigir testes psicotécnicos. Estava muito tempo em casa e começaram a aparecer miúdos, um, depois dois, três, dez, até que tinha um grupo. Foi no nosso sótão que começou o Moinho. As crianças faziam desenhos, viam os livros, as figuras, inventávamos teatros e gostavam muito. Aos amigos que ficavam hospedadas em minha casa e queriam oferecer qualquer coisa, propus que comprassem livros infantis. Os miúdos batiam constantemente à porta a pedir livros, e assim começámos a ter uma biblioteca. Falámos com o presidente da Junta de Freguesia da Buraca, que nos cedeu uma casinha no bairro, na Rua de São Tomé, que era da comissão de moradores, e que estava vazia. Em pouco tempo estavam inscritos 700 miúdos. Havia três raparigas do bairro, com 15/16 anos, que organizavam a biblioteca, que abria aos domingos das 10.00 às 13.00. Uma dessas raparigas é a Augusta, que trabalha agora numa casa da UMAR para vítimas de violência, e outra é a Isabel, coordenadora do Moinho.
Uma semente que resultou na Associação Cultural Moinho da Juventude.
Sim, aos poucos e poucos e através dos livros, mas também teve que ver com a situação das empregadas domésticas e com as necessidades do bairro. Viviam aqui 900 pessoas sem água em casa e que tinham feito contrato e pago à câmara. Também nos aconteceu. Quem vendeu a casa disse que tinha pago a ligação à rede e que demorava uma semana quando demorou três anos. Isso não foi uma escolha [ri-se].
"O Moinho cresceu em torno de três pilares: social, cultural e económico."
Não pensou em sair?
Houve momentos muito difíceis, custou muito viver sem água, mas lá fomos aguentando. Uma ligação da luz era para sete casas. Demorou até conseguirmos infraestruturas, mesmo estando a pagar IMI. Todos os vizinhos se uniram e lutaram por condições, e este foi um dos pilares do Moinho. O Moinho cresceu em torno de três pilares: social, cultural e económico. Social por causa do saneamento básico, havia quem pagasse esgotos e não tinha a rede instalada na quinta do Outeiro, o que foi para mim uma descoberta. O económico teve que ver com os direitos das empregadas domésticas e dos pedreiros. Cultural, porque o Moinho nasceu com uma biblioteca, mas o mais importante é a dinamização de toda uma cultura, como a celebração do Kola San Jon, que foi proibida em Cabo Verde antes do 25 de Abril.
Trabalhou sempre como psicóloga?
Não, a partir de 1985 e até me reformar trabalhei no Ministério das Finanças como especialista de informática. Fazia aplicações para o Orçamento do Estado e o controle orçamental.
O que é para si?
Para mim, desenvolvimento tem que ver com pessoas e com o que somos como pessoas. E, nesse sentido, parece que não evoluímos muito. Vejo pessoas de Cabo Verde que não sabem ler nem escrever, como disse Saramago dos seus pais, com a sabedoria que não temos, esquecemos a sabedoria da vida. Desenvolvimento é estar agarrado ao smartphone? O que é a humanidade, o que estamos a fazer? Dizem para fazer caridadezinha para o Iémen, só que esquecem que fomos nós, europeus, que mandámos as armas. Os belgas mandaram armas para a Síria e para a Arábia Saudita. É isto que é importante ver. O que é cultura, quem somos? São estas as questões importantes.
O quadro da sua sala.
A minha amiga, Lut Caenen, fez este quadro com a poesia "Metafisica" de Fernando Pessoa, que escreveu mil vezes. É importante este quadro estar na Cova da Moura. As pessoas falam sobre ele, dizem o que veem e é surpreendente.
Quais foram os momentos que a fizeram mais feliz?
Primeiro, estar com o meu marido [ri-se], as minhas coisas boas estão ligadas a ele. O que me deu muita satisfação foi a realização do colóquio "Kola San Jon - Cultura proibida, património estimado", em junho de 2015, e o colóquio das Batucadeiras, em abril de 2016, ambos no Museu Nacional de Etnologia. Vieram grupos de São Tomé, de Cabo Verde e de Espanha. Conseguimos a colaboração das universidades de Aveiro, Coimbra e do Instituto de Educação em Lisboa. É a sinergia que faz o desenvolvimento, não é a competição. Tivemos os investigadores a trabalhar e a refletir com as batucadeiras e a valorizar uma cultura que foi proibida pelos colonizadores.
"Criou-se para a Cova da Moura a 'polícia de proximidade', ideia que foi multiplicada pelo país."
Qual foi o momento mais triste do bairro?
A morte do Ângelo, de 17 anos, em 2001. Um agente da polícia disse na altura que era mais um macaquinho que tinha morrido. Conseguimos parar a escalada de violência, dialogando com o subintendente Pereira. Criou-se para a Cova da Moura a "polícia de proximidade", ideia que foi multiplicada pelo país. Com a substituição do subintendente Pereira, voltou a ser complicado. Iniciamos com a PSP de Alfragide um curso sobre "comunicação não violenta" (Rosenberg) no quadro dum projeto da Comissão para a Igualdade de Género, mas não houve disponibilidade por parte da PSP para dar continuidade. Outro momento triste foi em agosto 2013, quando a polícia veio ao bairro porque alguém tinha roubado um casaco e levou sete miúdos, que vinham da praia, para a esquadra da Damaia. Tiveram de se despedir, foram obscenizados, eram miúdos de 13/14/15 anos. Isto tem consequências para a vida toda. As mães foram maltratadas quando os foram buscar e vieram a minha casa, indignadas. Processámos os agentes e foi tudo arquivado.
Melhorámos alguma coisa?
O arquivamento dos três processos contra a atuação da PSP no verão de 2013, elaborados com o apoio da Associação para Apoio às Vítimas de Violência e o Alto Comissariado para as Migrações, ainda me revolta imenso. Tem de ser feito um trabalho de reflexão com a polícia e com os jovens. Este caso e o que aconteceu no 5 de fevereiro de 2015 na esquadra de Alfragide mostra que ainda falta fazer muito trabalho.
O que é que faz o Moinho da Juventude?
Temos vários projetos e peritos da experiência que trabalham em paralelo com educadores e formadores do Moinho (nas creches, no Jardim de infância, no PULO, no CATL). É exemplo o projeto do Missing Link que organizamos com centros de formação da Bélgica, da Alemanha, dos Países Baixos e da Bulgária, onde é realçada a importância do perfil do perito da experiência. A experiência de ser imigrante ou ter vivido a pobreza proporciona outra perspetiva nesta sociedade. O perito da experiência já é reconhecido oficialmente nestes países e o Moinho está a trabalhar com a ANQEP [Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional] para reconhecer esta profissão.
"Ainda tenho de viver um bocadinho para contribuir para o processo de conscientização."
Portugal é um país racista?
Há muitos recalcamentos. Tenho refletido sobre a minha maneira de olhar o outro e, na Bélgica, um país colonizador, há factos sobre os quais não refletimos, esquecemos. Em Portugal, um grupo dentro da polícia tem feito coisas horríveis no nosso bairro, têm tratado as pessoas de uma forma muito racista. É um grupo pequeno mas que tem tido o apoio de alguns jornalistas, com o PNR atrás, o que vai fomentando o medo. E quando as pessoas têm medo, as ações racistas começam a crescer. Nasci uma semana antes do fim da II Guerra Mundial e ouvia os alemães dizer que não sabiam o que tinha acontecido nos campos de concentração ("Wir haben es nicht gewusst"), o que sempre me fez muita impressão. Agora, parece que também não sabem o que está a acontecer. E, depois, vejo pseudointelectuais a encher salas com jovens, o que me preocupa. Basta lembrar o que aconteceu com Hitler e, mais recentemente, com Trump e Bolsonaro. Ainda tenho de viver um bocadinho para contribuir para o processo de conscientização.
É tudo?
Não, gostaria muito que a Segurança Social tomasse uma decisão sobre as amas da Creche Familiar. Há um ano que o Moinho aguarda a decisão sobre os requisitos das seis amas que têm de ser substituídas. Para os pais, é um drama não encontrarem um sítio para os filhos. São 24 famílias em apuros.
SEMPRE DISSE QUE OS GRANDES REVOLUCIONÁRIOS SÃO GAJOS ESTRANHOS ÀS NAÇÕES.SE A COISA CORRER MAL MUDAM-SE E PRONTOS...
A QUERIDA TOMOU TODAS AS DORES DA AFRICANIDADE COM QUEM CASOU E QUE SE DEU MAL DEPOIS DE LIMPAREM ETNICAMENTE O BRANCO E SEM BENS DOS SEUS PARAÍSOS.REPAREM QUE A ISSO ELA DISSE NADA...A MALTA EM ESPECIAL OS MAUS DOS POLÍCIAS QUE DEVEM FECHAR OS OLHOS ÀS AVENTURAS DE SACAR O OURO A VELHINHAS E PASSAGEIRAS DE COMBOIOS ALÉM DE DEIXAR VENDER A DROGA QUE FAZIA O BAIRRO DA COVA DA MOURA MUITO ANIMADO...
https://www.dn.pt/edicao-do-dia/15-jan-2019/interior/godelieve-meersschaert-encontrei-na-cova-da-moura-pessoas-que-tinham-tempo-para-os-outros-10379612.html
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