ROUBADO NA GRANDE LOJA DO QUEIJO LIMIANO
Henrique Medina Carreira
O 'Circo Nosso de cada dia'
Sexta-feira, Junho 13, 2008
Há um notório e crescente mal-estar no nosso País. Apesar do optimismo e das promessas, os salários continuam baixos, as pensões são exíguas, o poder de compra estagna, o desemprego é elevado, a classe média dissolve-se, a pobreza alastra, as desigualdades acentuam-se, as famílias estão pesadamente endividadas, a emigração recomeça e os temores aumentam. A crise internacional chegou e atingirá alguns com especial violência.
É a mediocridade da economia que temos.
Quando se analisa a sua evolução, torna-se inequívoco o declínio. Quando se imagina o futuro europeu de Portugal, ele é cinzento.
Há mais de três décadas que o produto desacelera, conforme as seguintes taxas de crescimento médio anual: 7,5% (1960-70); 4,5% (1970-80); 3,2% (1980-90); 2,7% (1990-2000); e 0,9% (2000-06). Outros países europeus também não conseguiram muito melhor.
Cerca de 2020, se a nossa economia e as dos seis outros que agora nos seguem se comportarem como de 2000 a 2006, seremos o país mais pobre dos “25”. Só o evitaremos se o produto subir a uma taxa mínima da ordem dos 3%, ou os demais caírem significativamente. Isto é: mais ano, menos ano, poderemos estar na “cauda” da Europa.
Há, por todas as razões, uma prioridade absoluta para a nossa economia.
Esta evolução tem origens diversas: externas e internas, públicas e privadas. Importam aqui, sobretudo, as de natureza política, relativas aos “defeitos” que existem na área do Estado ou que dele derivam, porque numa economia aberta e pouco competitiva, como a nossa, não se convive longamente com eles sem provocar efeitos desastrosos.
Acontece, em todo o caso, que o Estado português está rodeado de circunstâncias adversas, condicionantes das mudanças indispensáveis.
Desde logo, falta-lhe “tempo” político: o sistema de governação criado em 1976, a impreparação dos partidos para governar e o eleitoralismo que cada vez mais os domina, originam uma frequente e inconveniente descontinuidade executiva (1).
Também não há “verdade” política: quanto aos problemas essenciais, os partidos do poder assumem compromissos eleitorais que não tencionam ou não podem cumprir e fazem no Governo o que antes rejeitam ruidosamente na oposição. Assistimos a um espectáculo de mentira sem decoro, gerador do descrédito dos partidos e da decadência da democracia.
Escasseia, igualmente, “qualidade” política: os partidos que existem, tal como já acontecia em 1926, são “agrupamentos sem raízes na realidade do país” e que propiciam o “aparecimento na cena política de homens de segundo plano” (2).
Há assim uma doença grave na nossa vida política que também conduz ao desaproveitamento de enormes e irrepetíveis meios financeiros. Efectivamente, desde 1990 o nosso Estado arrecadou cerca de 160 000 milhões de euros (m€) - aproximadamente 820 m€/mês - de receitas não tributárias (3). Determinou ainda um grande aumento da carga fiscal, de 29% (1990) para 37% do Pib (2006): +8 pp., que não têm paralelo na Europa durante esse período.
Quase tudo o que exige tempo, verdade e qualidade, ou tarda muito ou nunca acontece.
Não se pode considerar o curto e o médio prazo porque os governos nada podem fazer, perdidas que foram as principais “ferramentas” de política macro económica: a moeda nacional, os juros, os câmbios, as tarifas aduaneiras e, na sua maior parte, a margem de discricionaridade orçamental.
E isso é muito claro quando observamos o que aconteceu desde 2000: o produto português limitou-se a acompanhar as tendências europeias, crescendo quando ali se cresceu e caindo quando ali se caiu (cf. Gráfico anexo). Nesse tempo, apesar dos quatro governos que tivemos, a nossa economia, uns pontos abaixo, só “obedeceu” à dos “25”. Foi em absoluto indiferente a quem e como governou.
A “receita” habitual e de que muitos falam - o aumento da procura interna, fazendo o Estado gastar mais – não é viável porque continuamos a ter contas públicas muito desequilibradas e porque, como nos ensina quem sabe, sendo insuspeito de simpatias neoliberais, “um aumento grande da despesa pública [não resolve] o que quer que seja em termos de crescimento económico” (4).
Apesar destas evidências, o Governo vai lançar um projecto irresponsável e eleitoralista de “betão” em larga escala, para realizações muitas vezes supérfluas e de aparente êxito imediato. É mais um dispendioso logro, parece que com o silêncio da oposição.
De tudo resulta, portanto, que o Governo não falha porque a economia é medíocre e o desemprego está alto. O Governo falha, e muito, porque atravessa uma longa legislatura, como a actual, em tudo favorável, deixando sem remédio, em 2009, a maioria dos mais graves “defeitos” que já encontrou em 2005.
Perdemos outra vez tempo: não se solucionou a conjuntura nem se preparou a estrutura.
A nossa evidente fragilidade económica - somos os que avançam mais devagar na UE, podendo por isso estar sua “cauda” em 2020 - tem hoje efeitos negativos e muito sensíveis no plano salarial, no nível do emprego, no poder de compra (5) e na acentuação da pobreza. Porém e pior do que isso: ela está a minar, a prazo, a base de sustentação das políticas sociais, já de si cheias de problemas.
Quem quiser pode entendê-lo com facilidade: entre 1990 e 2005 o produto português evoluiu à taxa anual de 2% e as despesas sociais (6) à de quase 6%; essas despesas absorviam 60% das contribuições sociais e dos impostos em 1990, 71% em 1995, 70% em 2000 e 84% em 2005.
O Estado social é, provavelmente, a mais notável realização europeia dos últimos sessenta a cem anos. Mas não nos deveremos enganar: ele só pode sobreviver se assentar numa economia próspera.
E isto é decisivo porque, se não conseguirmos aumentar significativamente o ritmo de expansão da riqueza nacional, o presente nível de “redistribuição” – mesmo insuficiente, como já é - terá de ser reconsiderado em baixa, mesmo em muito forte baixa.
Sem mais “economia” só pode haver menos “social”.
É certamente viável redistribuir “melhor”, discriminando positivamente. Mas não se redistribuirá “mais”.
São já bem conhecidos os sectores e os vícios que mais afectam a produtividade e a competitividade da nossa economia. Os que se situam na área pública ou que do Estado dependem, só por ele poderão ser solucionados, através de medidas e de reformas que eliminem ou reduzam as suas consequências negativas.
Mas numa economia internacionalizada, como é a actual, tudo o que dele pode exigir-se ou esperar-se, é a criação das condições indispensáveis à atracção dos investimentos que nos convêm: os de mais rápida reprodutividade, destinados às exportações e à substituição de importações.
É por isso surpreendente que entrem e saiam governos, ficando sempre tudo na mesma ou quase. Sem carácter exaustivo, é óbvia e imperiosa a necessidade de mudar muito no ensino, o nosso maior reprodutor de mediocridade e que está a “hipotecar” o futuro daqueles que finge promover; na formação passa-se quase o mesmo, fazendo-se crer na possibilidade de aprender em poucos meses aquilo que só se aprende em alguns anos; na justiça permanecem as demoras sem fim e sem previsão, que a tornam, em grande parte, desacreditada, inútil e aleatória; o sistema dos impostos é pesado, complicado sem vantagens, sempre instável, por vezes abusivamente agressivo e iníquo devido ao elevado peso da tributação indirecta; a Administração Pública continua sem reorganização, requalificação, rejuvenescimento e reequipamento, porque quase tudo isso passa ao lado do PRACE; a grande burocracia está cristalizada, como se confirma com a existência perversa dos PIN, necessários só para quem o Governo entende contemplar; a grande corrupção está para ficar e mesmo para crescer, indiferente às medidas com que apenas se simula querer combatê-la; mantêm-se incompreensivelmente os pagamentos atrasados do Estado, tão lesto a pregar moral aos privados que se atrasam; a multidão dos licenciados sem trabalho não encontra qualquer resposta que os reconverta profissionalmente; o mercado do arrendamento continua a não existir e nada se faz aí com consequências relevantes; não temos técnicos adequados às exigências do mercado; o excessivo peso financeiro do Estado, o espantoso mapa autárquico desenhado para o tempo da “diligência” e das carroças, o regime das relações laborais, a preferência constante pela facilidade e pela mediocridade, entre outros, constituem “defeitos” graves, sem qualquer remédio à vista.
Estas são questões de fundo que só ao Estado competem e em que só ele tem uma palavra a dizer. Pouco ou nada fazendo, revela a sua incapacidade política para propiciar o “ambiente” indispensável à criação do aparelho produtivo e competitivo que a nova economia exige.
Sem “tempo”, sem “verdade” e sem “qualidade” na política, como até aqui, nenhum Governo conseguirá realizar em Portugal a obra que o futuro nos impõe. E porque a conjuntura está hoje fora do poder do Estado, é preciso que alguém responsável, por uma vez, diga que a recuperação é difícil, que a tarefa é árdua e que os resultados são demorados. O estado da nossa decadência é profundo e as circunstâncias envolventes são complexas.
Os que têm surgido vêm apenas para ganhar eleições, promover-se e repartir vantagens pelos amigos e pelos arrivistas de sempre; usam sem escrúpulos sofismas que só retardam a compreensão das coisas; e dificultam a aplicação das decisões essenciais. Montam “circos” atraentes para impressionar, acenam com “facilidades” que não existem e prometem um “amanhã” que nunca chegará. Servem-se e servem outros. É quase tudo.
Se a “verdade” nos assusta em vez de nos mobilizar, resta-nos apenas a capitulação perante os sofistas que temos tido e perante os seus “herdeiros”.
Só haveremos, então, de queixar-nos de nós mesmos.
Se os eleitores o não entenderem muito depressa, ficaremos com “Lisboa” nos papéis e com os portugueses feitos os pobres da Europa.
Notas:
(1) 17 governos em 32 anos: média de 23 meses por cada um; descontados os de maioria absoluta de um só partido: média de 15; entre 2000 e 2009 registar–se-á uma média de 30 meses.
(2) MÁRIO SOARES, Le Portugal Baillonné –Témoignage, Calmann –Levy, Paris – 1972, pp. 30 e 31.
(3) Entre 1990 e 2006 são as seguintes as receitas a considerar: 17 000 m€ de privatizações; 51 000 m€ de fundos europeus; e 90 000 m€ de acréscimo da dívida pública.
(4) JOÃO FERREIRA DO AMARAL, As condicionantes orçamentais, Seara Nova, n.º 81, Verão de 2003, p. 37.
(5) Para se imaginar a influência do crescimento da economia sobre o poder de compra dir-se-á que, aos preços actuais, + 0,1% do Pib equivalem a cerca de 18 € por português e por ano, ou seja, um café tomado ao balcão, de 10 em 10 dias. E + 1% do Pib, 1 café por português e por dia!
(6) Incluem-se as despesas com as Funções Sociais do Estado (Educação, Saúde, Habitação e Cultura), Segurança Social e Caixa Geral de Aposentações.
P.S. O texto acima foi publicado na edição de hoje do Público sob o título 'O declínio inequívoco de Portugal', título esse da responsabilidade daquele jornal.
Publicado por Manuel 22:20:00 1 comentários Links para este post
É QUE COMO ELES VÊM COM UMA MÃO Á FRENTE E OUTRA ATRÁS OS QUE JÁ CÁ ESTÃO FAZEM FIGURA DE RICOS...
PS
BASTA DEIXAREM TUDO COMO ESTÁ NAS ACTUAIS LEIS E É O RESULTADO QUE VAMOS TER