Saturday, March 16, 2024
O NICOLAU SANTOS , BRANCO DE SEGUNDA, DEPOIS DE TER CONSEGUIDO FUGIR "CONVERTEU-SE" E PASSOU A SUA RICA VIDINHA NO BEM BOM A ENCORNAR OS OUTROS...OLHEM ONDE ELE ANDA...
Onde eu estava... por Nicolau Santos
Jornalista e poeta, nasceu em Luanda em 1954. É presidente do conselho de administração da RTP.
Explicação aos pássaros: durante muitos anos, os brancos nascidos em Angola, como o meu pai, tinham um Bilhete de Identidade onde, na raça, eram identificados como brancos de segunda. Depois, o mar à nossa volta. A baía, a ilha, a Samba, o Mussulo, o Morro dos Veados, a foz do Cuanza, os picnics com imensa gente, as águas quentes e cristalinas, o pôr-do-sol que só existe em África, as chuvadas torrenciais. Em seguida, os cheiros: a maresia, a peixe, a marisco, a fruta, todo o tipo de fruta, e as árvores nos quintais, mamoeiros que cresciam disparados para o céu, bananeiras, pitangueiras, mangueiras, cajueiros. Os animais: pastores alemães, cágados, coelhos, pombos, saguins, chimpanzés. As acácias, com as suas flores vermelhas, que delimitavam várias ruas e foram motivo de tantos poetas. O convívio constante, nas casas de uns e de outros. As festas, onde se convidavam 80 e apareciam 120. O futebol nos Coqueiros, o Sporingué, o basquetebol, o andebol, o hóquei, o atletismo.
Finalmente, a universidade. A consciência política. O Centro Cultural. Os filmes e as suas mensagens. O Jornal Mural. A luta pela independência. As cisões entre universitários. A guerra civil. Os tiros, as granadas, as bazukas, as rajadas, as bombas, os mortos, a falta de água, de luz, de comida. O cheiro a morte, a pólvora, a chumbo. Sair de casa agachado com a inconsciência de desconhecer que se podia não voltar. Tudo por fazer. Um país novo a construir. E melhor, muito melhor do que aquele que existia. Até que o sonho se desfez.
Cheguei a Portugal no dia 28 de outubro de 1975. Vim num avião que tinha ido buscar os funcionários da Shell e apanhei boleia com três amigos. Estávamos a ser perseguidos e ameaçados publicamente. Chegámos à conclusão de que não era o país com que sonhávamos que iria nascer depois de 11 de novembro. Outros amigos decidiram ficar. Foram presos, torturados, uns enlouqueceram, outros morreram, outros ainda, felizmente, sobreviveram e têm trajetos pessoais e profissionais de indiscutível sucesso em Portugal.
CURIOSO COMO ANDAM POR AÍ MUITOS RETORNADOS QUE FIZERAM CARREIRA NO RUMO PARA O SOCIALISMO CIENTÍFICO E SEM NUNCA TEREM RECLAMADO NADA DE NADA COMO AS COISAS SE PASSARAM...A CANGA FEZ-LHES MUITO BEM...
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