Sunday, December 18, 2022
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As Confusões que estão Ocorrendo na Bélgica Durante a Copa do Mundo: Símbolo do Fiasco da Política Migratória
por Alain Destexhe
11 de Dezembro de 2022
Original em inglês: Belgium's World Cup Football Riots: A Symbol of the Failure of the Migration Policy
Tradução: Joseph Skilnik
Houve violentos confrontos na Bélgica depois do jogo entre Marrocos e Bélgica na Copa do Mundo no Catar. Em Bruxelas os marroquinos superam os de origem belga que se encontram na faixa etária inferior a 18 anos. Enquanto em outros lugares da Europa há um debate acalorado em torno da imigração e da integração, na Bélgica é como se o país tivesse jogado a toalha, aceitando o destino de um país multicultural de maioria muçulmana na capital e de tempos em tempos se resignando com o "novo normal" moldado em violentos distúrbios urbanos, tiroteios e ataques terroristas. Foto: policiais trabalham para limpar a rua em meio a violentos distúrbios, 27 de 11/ de 2022, Bruxelas, Bélgica. (Foto: Nicolas Maeterlinck/Belga/AFP via Getty Images)
Houve violentos confrontos na Bélgica depois do jogo entre Marrocos e Bélgica na Copa do Mundo no Catar.
Os violentos distúrbios aconteceram em Bruxelas, Antuérpia e Liège, onde uma delegacia de polícia foi atacada por cerca de 50 "jovens", a baderna também tomou conta de várias cidades da Holanda. Além desses incidentes, o júbilo popular nos bairros predominantemente marroquinos de Bruxelas, especialmente em Molenbeek, revelou que nessas regiões a identidade marroquina continua muito mais forte do que a belga, muito embora a maioria dos habitantes tenha dupla nacionalidade.
É preciso ser cego e tentar encaixar a realidade na ideologia do "viver junto a todo custo" para não enxergar que a afeição dos marroquinos da Bélgica é com o time marroquino e não com o time de sua "segunda pátria". Alguns jornalistas até que tentaram, com manchetes do tipo: "não importa quem vença Bélgica ou Marrocos, será uma festa do mesmo jeito".
Foi uma festa de arromba sim, em Molenbeek, Anderlecht, Schaerbeek e Bruxelas, municípios onde os imigrantes marroquinos e seus descendentes são mais numerosos do que os de outras regiões, incluindo os belgas autóctones. Estardalhaço dos torcedores buzinando e tremulando bandeiras marroquinas nas ruas da capital nos carros com placas belgas.
Para muitos belgas autóctones, o espetáculo jogou por terra o mito da integração no país acolhedor, talvez porque as comemorações possam ter parecido excessivas e até indecentes para os belgas, que permitiram que os marroquinos vivessem num país próspero e se beneficiassem de um estado de bem-estar social.
Os canais de televisão não mostraram imagens de um homem retirando a bandeira belga de um prédio sob os aplausos da multidão, nem uma impressionante concentração de centenas de marroquinos dançando e cantando bem pertinho da Grand-Place em Bruxelas, bloqueada por uma barreira policial munida de capacetes e cassetetes, fechando o acesso ao centro da cidade.
Segundo Statbel, o Escritório Oficial de Estatística da Bélgica, 46% da população de Bruxelas já não é mais de origem europeia (União Europeia e Reino Unido), sobrando apenas 24% para a origem belga. Os marroquinos representam 7% da população da Bélgica, contudo perfazem 12% da região da Capital Bruxelas, cuja maioria também é de nacionalidade belga. O crescimento do contingente marroquino é exponencial na Bélgica: eram apenas 460 em 1961, 39 mil em 1970 e 800 mil 40 anos depois, um enorme número para um país de apenas 11 milhões de habitantes. Fruto desta evolução demográfica e da facilidade de adquirir a nacionalidade belga (em alguns casos após três anos de residência sem outras condições), o país conta hoje com 26 deputados regionais ou federais de origem marroquina e vários prefeitos, que muitas vezes incentivam o comunitarismo, em outras palavras: "pertencer à própria comunidade".
Em Bruxelas, os marroquinos superam os de origem belga que se encontram na faixa etária inferior a 18 anos, muitas escolas são frequentadas exclusivamente por crianças de origem não europeia. Nas escolas públicas em que os pais podem escolher as aulas de religião, o Islã já é ministrado para a maioria dos alunos. Quer se retrate essas mudanças de "diversidade" ou de "grande substituição" é irrelevante, ao longo de poucas décadas, a evolução foi considerável e modificou o tecido social das cidades belgas.
A hijab (véu islâmico) está cada vez mais presente e é usada pela maioria das mulheres em alguns municípios. Em algumas regiões durante o mês do Ramadã, quase todas as lojas e restaurantes fecham durante o dia. O número de mesquitas experimentou um salto gigantesco e todas as correntes do Islã estão representadas em Bruxelas, onde as tensões entre sunitas e xiitas ou mesmo entre marroquinos e turcos, ficam às vezes nas alturas, especialmente no Executivo Muçulmano da Bélgica, uma estrutura montada pelo governo federal com o intuito de manter o diálogo com um interlocutor único para a comunidade muçulmana, mas que tem passado de crise em crise.
Ao passo que o abate de animais sem o atordoamento é proibido em Flandres e na Valônia, o lobby muçulmano no Parlamento de Bruxelas conseguiu bloquear uma proposta legislativa nesse sentido. Durante os julgamentos ou durante as eleições é comum ver mulheres chegando juntamente com seus maridos, explicando que não podem ser mantidas como juradas ou assessoras porque não falam nenhuma das línguas oficiais da Bélgica, atestando assim a totalmente fracassada política de integração. O "vivre ensemble" ("viver junto") elogiado pelo mundo político belga não passa de mito, onde comunidades vivem lado a lado sim, porém, sem se misturarem. Os marroquinos se casam com mulheres marroquinas e os turcos se casam com mulheres turcas, que costumam trazer de seu país natal. A reunificação familiar já é a principal fonte de imigração na Bélgica, bem como na França.
Na França, o passado colonial do país é via de regra usado para justificar a ira dos jovens oriundos do norte da África. É uma explicação que não se sustenta: incidentes do mesmo tipo ocorrem na Bélgica, país que não tem vínculo histórico com o norte da África. Foi uma convenção de 1964 que abriu caminho para a imigração econômica, cuja necessidade para tanto há muito tempo deixou de existir, mas que continua indefinidamente por meio da reunificação familiar, que os americanos chamam com razão de "migração em cadeia".
O mais desconcertante é a negação e a total ausência de debates sobre as questões da imigração e da integração, principalmente na região francesa do país. Nem a mídia nem os partidos políticos falam sobre o assunto. A baderna de domingo foi atribuída pelo prefeito de Bruxelas a "hooligans e vagabundos", discurso largamente repetido sem qualquer rigor ou análise. A ligação com a excessiva imigração, proporcionalmente maior que a da França, não será sustentada jamais. Enquanto na França e em outros lugares da Europa há um debate acalorado em torno do assunto, na Bélgica é como se o país tivesse jogado a toalha, aceitando o destino de um país multicultural de maioria muçulmana na capital e de tempos em tempos se resignando com o "novo normal" moldado em violentos distúrbios urbanos, tiroteios e ataques terroristas.
Alain Destexhe, colunista e analista político, é senador honorário na Bélgica e ex-secretário-geral dos Médicos Sem Fronteiras.
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