Durante treze anos – de Outubro de 1993 a Dezembro de 2006 – foram trocadas em Portugal mais de 38,2 milhões de seringas no âmbito do Programa de Troca de Seringas. Apesar de terem sido evitadas infecções pelo vírus da sida (VIH) e hepatites A, B e C, a prevenção do contágio daqueles vírus entre toxicodependentes não foi devidamente acautelada.
A partilha dos produtos infectados terá causado o contágio daquelas doenças transmissíveis devido à falta de ácido cítrico nos kits, apesar da Organização Mundial de Saúde (OMS) ter recomendado a inclusão deste produto em 1994, para evitar que os toxicodependentes usem e partilhem limão conspurcado. Portugal só agora adopta a medida. A apresentação dos novos kits será feita a 7 de Setembro, na Faculdade de Farmácia de Lisboa, pela Coordenação Nacional para a Infecção VIH/Sida.
O antigo coordenador da Comissão Nacional de Luta Contra a Sida (CNLCS, anterior designação da Coordenação Nacional), Meliço Silvestre, admite ao CM que a falta do ácido cítrico nos kits pode ter provocado transmissão de vírus entre os dependentes de drogas injectáveis. “Há um risco mínimo que isso possa ter ocorrido.” O especialista sublinhou que o atraso na introdução do ácido nos kits se deveu “a problemas técnicos” e à falta de resposta do Infarmed. Fonte do Infarmed disse que aquele tipo de kit “não necessita de autorização nem de aprovação do Infarmed para ser usado”, pelo que desconhece o motivo do atraso na inclusão dos dois materiais nos kits distribuídos.
Paulo Nossa integrou a anterior CNLCS e coordenou um estudo-piloto realizado, em 2004, em Lisboa, Porto e Algarve, onde se concluiu que era indispensável o fornecimento dos dois utensílios (recipiente e ácido cítrico), porque a partilha dos produtos é um veículo de transmissão de doenças infecciosas. Ao CM sublinha: “A introdução dos dois elementos nos kits era já, na altura, uma reivindicação dos toxicodependentes, que têm por hábito partilhar a carica e o limão conspurcado, o que favorece a transmissão de doenças.”
CUSTO MENSAL DE 85 MIL EUROS
O Programa de Troca de Seringas representa custos para o Estado, que desembolsou uma média mensal, em 2005, de 85 mil euros. As oscilações durante aquele ano atingiram um custo máximo de 96 mil euros em Dezembro. Paulo Nossa, antigo responsável da Comissão Nacional de Luta Contra a Sida, admite que “a introdução do ácido cítrico e do recipiente nos kits de prevenção da sida pode representar um acréscimo nos custos para o Estado português, mas pouco significativo”.
“O que se poupa na prevenção do contágio do vírus da sida, em que a terapêutica anti-retroviral é muito cara, é bastante significativo e compensa esse acréscimo nos custos”, referiu Paulo Nossa, geógrafo da saúde e docente da Universidade do Minho.
Segundo um estudo de avaliação deste programa pela Associação Nacional de Farmácias, em 2002, foi possível concluir que foram evitadas, por cada 10 000 utilizadores do programa, mais de sete mil novas infecções, sendo o benefício superior a 1,7 milhões de euros. O retorno associado ao investimento feito na distribuição e recolha de cada seringa é, no mínimo, 70 vezes superior ao investimento feito.
NOTAS SOLTAS
PRODUTOS INCLUÍDOS
O conjunto de produtos dos kits da prevenção da sida passa a incluir ácido cítrico e um recipiente, além de continuar a dispor de duas seringas, dois toalhetes desinfectantes com álcool a 70 graus, um preservativo, uma ampola de água bidestilada, um filtro e ainda um folheto informativo.
CRIADO HÁ 14 ANOS
O Programa de Troca de Seringas, criado em 1993 pela especialista Odete Ferreira, então coordenadora da luta contra a sida em Portugal, resulta de uma parceria entre o Ministério da Saúde, através da Coordenação Nacional para a Infecção VIH/Sida, e a Associação Portuguesa de Farmácias.
DISTRITOS
Os distritos que apresentaram uma maior adesão dos toxicodependentes ao Programa de Troca de Seringas foram os de Lisboa, Porto, Setúbal e Faro porque foram os que tiveram nos últimos anos um maior volume de troca de seringas.
SABER MAIS
38 282 762 foi o total de seringas trocadas no âmbito deste programa entre Outubro de 1993 e Dezembro de 2006.
177 milhões de euros poderão ser poupados e 638 novas infecções poderão ser evitadas com a implementação da troca de seringas nos estabelecimentos prisionais.
LOCAIS
As seringas são trocadas nas farmácias, no local onde se encontram os toxicodependentes que as recebem pelos grupos de rua e pelas ONG – organizações não-governamentais.
PARTICIPANTES
No final de 2006 participavam no programa de Troca de Seringas um total de 1341 farmácias e um conjunto de 35 entidades governamentais e não-governamentais.