Los crímenes machistas se disparan entre inmigrantes
Los asesinatos cometidos por extranjeros son este año más del 40% del total
E NOS OUTROS CRIMES?E QUAL A PERCENTAGEM DE PRESOS?É SÓ ENRIQUECIMENTO...
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Tuesday, September 30, 2008
Wednesday, May 2, 2007
RETIRADO DO "ALMA LUSÍADA"
1.5.07
Releituras Amargas
Relendo António José Saraiva, por épocas políticas tão desgraçadas, como as que estamos vivendo, fui dar com um artigo seu, intitulado «O Salazarismo», escrito para o Expresso, em Abril de 1989, há 18 anos, por conseguinte.
Recordo-me da perturbação que senti, quando na altura o li. Se ele não tivesse sido saído da pena de AJS, decerto não o haveria de tomar tão a sério. Mas, vindo dele, intelectual perspicaz, corajoso, espírito rebelde, indomável, como poucos e homem traquejado pelas cruezas da vida, profundo conhecedor do mundo e do homens, ele mesmo antiga vítima da política repressiva de Salazar, aquelas contundentes asserções causaram-me uma impressão duradoura.
O artigo polémico, como muitos outros que AJS escreveu, antes e depois do 25 de Abril, contém algumas passagens que merecem transcrição literal, para que se perceba bem o seu carácter inesperado, justamente porque emanadas de quem foi por Salazar afastado do Ensino oficial, politicamente perseguido, de tal forma que acabou por ter de se exilar em França.
Neste país, sobretudo, mas também na Holanda, exerceu a sua vocação de investigador de temas da Cultura Portuguesa, em acção profícua de que nos deixou notáveis documentos, com bibliografia importante, de fino recorte literário, sempre reveladora de pensamento original, de grande agudeza de interpretação dos nossos principais factos histórico-culturais.
Nos artigos políticos que abundantemente produziu, em particular depois de 1974, essas mesmas características de pensador original, ousado e independente, se haveriam de profusamente manifestar, na Comunicação Social em que regularmente colaborava.
Ainda o ano passado aqui coloquei um dos seus mais famosos textos «O 25 de Abril e a História», publicado no Diário de Notícias de 26 de Janeiro de 1979, que causou imenso furor. Ainda hoje nos custa lê-lo, pela virulência de algumas das suas declarações.
Imagine-se, por um momento, se o DN actual poderia abrigar um artigo de semelhante desenvoltura. Desde logo, pela sua extensão, tal se tornaria impossível, uma vez que os modernos artigos de opinião dos nossos periódicos foram significativamente reduzidos, talvez baseados no pressuposto de que os leitores de hoje não têm tempo, nem frescura mental, para ler textos demasiados intelectuais, absorvidos que andam por entre as palpitações dos colunáveis e a excruciante ansiedade pela condição dos ligamentos de Ronaldo ou do joelho do Simão, que a TV depois se encarrega de explicar ad nauseam, apesar do tempo em televisão ser precioso, como sempre nos inculcaram.
Na altura, sugeri que a Bertrand reeditasse essa luminosa colectânea dos artigos de intervenção social de AJS, que em tempos esta editora publicou sob o título de «Filhos de Saturno». Poucas vezes se terá escrito em tão bom português, com tanta originalidade de pensamento, como nesses preciosos artigos.
Só um espírito tão lúcido, penetrante e original, servido num estilo literário de rara perfeição, como era timbre de AJS, poderia ter produzido tais escritos. São verdadeiras chapadas de inteligência que ali recebemos, fazendo-nos ver claro aquilo que outros, de ordinário, conseguem obscurecer.
Numa época em que se edita de mais, sobre tudo e sobre nada, não se compreende como esse livro não apareça de novo nas bancas, para nos provar que aqui, entre nós, houve quem visse, a quase 30 anos de distância, os males que nos ameaçavam e para onde estávamos todos a ser subrepticiamente conduzidos.
Também no tal texto de AJS sobre «O Salazarismo» colheríamos seguramente idêntica impressão de aturdimento e de estimulação intelectual, na incisão das suas frases, como na clareza do pensamento que as elaborou. Atente-se, por exemplo em dois extractos desse polémico artigo de AJS, O Salazarismo :
«… Segundo a nova constituição (a de 1933), a soberania não residia no “povo”, entidade quantitativa e informe, mas sim “em a Nação” e a Nação era uma entidade orgânica, com os seus órgãos próprios, competentes cada um para resolver os seus problemas. Por isso, o regime instituído pela Constituição de 1933 foi chamado de “democracia orgânica”, designação que o próprio Salazar não inventou, pois que Oliveira Martins, na geração anterior, a tinha aplicado a um sistema semelhante, que só existiu no papel (opúsculo “As Eleições”, 1872). O que Salazar contestava, como Oliveira Martins já o fizera, era a capacidade de o sistema “um homem-um voto” para resolver os problemas concretos do País. O que a sua Constituição (a de 1933) pretendia era o voto qualificado e representativo das estruturas ou órgãos do País.»
…
« … Na intenção, a União Nacional era uma organização que devia permitir a todos os Portugueses participarem na vida política independentemente dos Partidos, e não um “partido único”, como os factos vieram a fazê-lo.
Salazar foi, sem dúvida, um dos homens mais notáveis da História de Portugal e possuía uma qualidade que os homens notáveis nem sempre possuem : a recta intenção.
A sua Constituição é, sem dúvida, lógica e geometricamente exemplar… Mas o sistema constitucional óptimo, ou antes melhor, só existe subjectivamente; coincide com a vontade do criador. E é evidente que, por isso mesmo, é impraticável. Uma Constituição Ideal é sempre uma utopia. Enquanto Salazar foi vivo disse eu (AJS) duas ou três coisas que me pareciam evidentes. Uma, era sobre o regime corporativo: pensava eu (AJS) que as corporações eram uma instituição medieval, incompatível com o século XX. Estava enganado, porque vemos, cada vez mais os problemas serem resolvidos por métodos corporativos, por acordos entre patrões e operários ou por greves, também entre corporações. Por negociação entre entidades cada vez mais poderosas; “lobbies ou alianças sindicais. O problema agrava-se com as concentrações maciças de indivíduos e de capital.
Outra parece-me cada vez mais evidente e por isso mesmo põe problemas cada vez mais graves. A abolição dos Partidos Políticos supõe a criação de instrumentos que impeçam o seu aparecimento e crescimento, isto é : uma censura dos meios de comunicação e uma polícia que mantenha dentro de certos limites a faculdade de associação e de reunião. A repressão é inevitável num regime de liberdade vigiada, mesmo que seja para impedir o Partido Único.
… Por isso, as constituições precisam de ser feitas por homens medianos, intelectual e moralmente, e não podem ser entregues a homens rigorosos e muito competentes.
Era essa, possivelmente, a grande virtude e o grande defeito de Salazar : o rigor talvez excessivo consigo mesmo e com os outros. Quem lê os seus “ Discursos e Notas” fica subjugado pela limpidez e concisão de estilo, a mais perfeita e cativante prosa doutrinária que existe em Língua Portuguesa, atravessada por um ritmo afectivo poderoso. Por esse lado, a prosa de Salazar merece um lugar de relevo na História da Literatura Portuguesa ( e só considerações políticas até agora a têm arredado do lugar que lhe compete). É uma prosa que guarda a lucidez da da grande prosa do século XVII, e donde é banida toda a nebulosidade, toda a distracção, toda a frouxidão, tudo o que frequentemente torna obscura ou despropositadamente ofuscante a prosa dos nossos doutrinadores.
Essa prosa vem das melhores fontes do século XVII, o século lúcido entre todos, o século de Pascal. Do mesmo século herdou Salazar a sua utopia política. A sua utopia política foi o que se chama o “despotismo esclarecido”, de que é exemplo em Portugal o reinado de D. José, com o Ministro Pombla. Salazar não disputou o Governo, não adulou eleitores. Recebeu o Governo de quem o podia dar, isto é, do soberano. Nesse momento, o soberano era o poder militar saído de uma sublevação triunfante. Salazar tornou-se seu Ministro, como Pombal se tornou Ministro de D. José. O poder militar teve sucessivos protagonistas – Carmona, Craveiro Lopes, Almirante Tomaz – formalmente legítimos, e Salazar, recebendo deles a investidura, considerava-se um Primeiro-Ministro legítimo. “ A soberania é um facto, não é um direito” – escreveu uma vez, numa carta, Alexandre Herculano. É um facto a soberania hereditária dos Reis, como a soberania revolucionária das Juntas Militares.
Deu-se, graças a este sistema, congeminado e executado por Salazar, uma coincidência entre a Lei e o Legislador que, só ele, sabia a intenção da Lei e para além disso possuía qualidades de administrador miraculosamente raras, junto a uma igualmente rara integridade. Conseguiram-se coisas hoje inconcebíveis como a neutralidade na II Grande Guerra e, passando aos pormenores, a realização de uma extraordinária exposição internacional, a melhor exposição que se fez em Portugal, inaugurada conforme o programa em 1940, apesar de a guerra ter rebentado no Verão anterior, da ocupação de Paris pelos alemães, de estar em curso o bloqueio comercial à Inglaterra, etc. Refiro-me à Primeira Exposição do Mundo Português. Conseguiu-se também, pela primeira vez desde Pombal, pôr fim à tutela inglesa, que fora confirmada com sangue, na 1ª Guerra Mundial. E hoje vemos, com uma dura clareza, como o período da nossa história a que cabe o nome de Salazarismo foi o último em que merecemos o nome de Nação independente. Agora, em plena “democracia” e sendo o Povo “soberano”, resta-nos ser uma reserva de eucaliptos para uso de uma obscura entidade económica que tem o pseudónimo de CEE.»
In “Expresso”, 22 de Abril de 1989.
Transcrevi, assim, uma parte significativa de mais um dos célebres artigos políticos de AJS, para que nos seja possível apreciar o juízo deste denodado intelectual, dos raros que rejeitaram condecorações oficiais do Estado, a quem não reconhecia capacidade de efectuar distinções de carácter moral entre os seus cidadãos, visceralmente avesso a grupos e capelinhas, autónomo até ao limite, pensando sempre pela sua própria cabeça, na razão ou no erro, e que haveria de morrer vagamente anarquista, naquela figura castiça de velho livre-pensador, acompanhado da sua peculiar boininha preta, símbolo supremo da sua marcada austeridade e indomável rebeldia.
Ninguém poderá duvidar que AJS falou de Salazar como de facto ele o via, no balanço de uma vida de frontal oposição política, que a seu tempo lhe havia custado caro, ao contrário do que aconteceu com certas figuras, hoje estridulamente anti-Salazaristas, mas que, com Salazar e Caetano, fizeram toda uma carreira intelectual, académica ou profissional, sem sobressaltos, na sua maior parte ou razoavelmente acomodados, noutras, sem riscos assumidos, pelos ideais alegadamente comungados.
Outros, de facto, conheceram, com Salazar, maiores agruras e foram mesmo presos e torturados, como os Comunistas. Mas estes, pelo que silenciaram das atrocidades cometidas pelos regimes que eles próprios exaltavam, ficaram com o seu testemunho algo desvalorizado, porque sempre nos deram a entender que nunca hesitariam em repetir os exemplos de crueldade que os seus ícones estrangeiros, Estaline, Mao, Enver Hoxa, Ceaucescu, Kim Il Sung, Fidel, etc., praticavam em nome da defesa de um sistema político-filosófico, que, alguns, até filósofos de nome, como Jean-Paul Sartre, designaram de “doutrina inultrapassável do nosso tempo”.
Bem poderíamos exclamar : Aonde pode levar a cegueira de certas ideologias, mesmo a espíritos brilhantes, que tiveram acesso a todas as fontes de saber, em clima de total liberdade, nos anfiteatros da Sorbonne ou nas aprazíveis esplanadas de Saint Germain-des-Près. Que isto nos sirva de prevenção !
Que falta nos fazem hoje intelectuais como António José Saraiva, Jorge de Sena ou Vergílio Ferreira, para só falar nos que mais impressionaram a minha adolescência e juventude de há trinta e poucos anos.
AV_Lisboa, 01 de Maio de 2007, dia consagrado ao Trabalhador, braçal ou intelectual, que ganha honestamente o seu salário, contribuindo com a sua capacidade e com o seu empenho para o bem comum e, naturalmente, também pessoal e, por isso mesmo, merece ser tratado com todo o respeito e dignidade, por todos os Poderes e por todas as Hierarquias da Terra, por mais importantes ou altivas que estas se nos apresentem.
# posted by António Viriato @ 21:56 0 comments
Releituras Amargas
Relendo António José Saraiva, por épocas políticas tão desgraçadas, como as que estamos vivendo, fui dar com um artigo seu, intitulado «O Salazarismo», escrito para o Expresso, em Abril de 1989, há 18 anos, por conseguinte.
Recordo-me da perturbação que senti, quando na altura o li. Se ele não tivesse sido saído da pena de AJS, decerto não o haveria de tomar tão a sério. Mas, vindo dele, intelectual perspicaz, corajoso, espírito rebelde, indomável, como poucos e homem traquejado pelas cruezas da vida, profundo conhecedor do mundo e do homens, ele mesmo antiga vítima da política repressiva de Salazar, aquelas contundentes asserções causaram-me uma impressão duradoura.
O artigo polémico, como muitos outros que AJS escreveu, antes e depois do 25 de Abril, contém algumas passagens que merecem transcrição literal, para que se perceba bem o seu carácter inesperado, justamente porque emanadas de quem foi por Salazar afastado do Ensino oficial, politicamente perseguido, de tal forma que acabou por ter de se exilar em França.
Neste país, sobretudo, mas também na Holanda, exerceu a sua vocação de investigador de temas da Cultura Portuguesa, em acção profícua de que nos deixou notáveis documentos, com bibliografia importante, de fino recorte literário, sempre reveladora de pensamento original, de grande agudeza de interpretação dos nossos principais factos histórico-culturais.
Nos artigos políticos que abundantemente produziu, em particular depois de 1974, essas mesmas características de pensador original, ousado e independente, se haveriam de profusamente manifestar, na Comunicação Social em que regularmente colaborava.
Ainda o ano passado aqui coloquei um dos seus mais famosos textos «O 25 de Abril e a História», publicado no Diário de Notícias de 26 de Janeiro de 1979, que causou imenso furor. Ainda hoje nos custa lê-lo, pela virulência de algumas das suas declarações.
Imagine-se, por um momento, se o DN actual poderia abrigar um artigo de semelhante desenvoltura. Desde logo, pela sua extensão, tal se tornaria impossível, uma vez que os modernos artigos de opinião dos nossos periódicos foram significativamente reduzidos, talvez baseados no pressuposto de que os leitores de hoje não têm tempo, nem frescura mental, para ler textos demasiados intelectuais, absorvidos que andam por entre as palpitações dos colunáveis e a excruciante ansiedade pela condição dos ligamentos de Ronaldo ou do joelho do Simão, que a TV depois se encarrega de explicar ad nauseam, apesar do tempo em televisão ser precioso, como sempre nos inculcaram.
Na altura, sugeri que a Bertrand reeditasse essa luminosa colectânea dos artigos de intervenção social de AJS, que em tempos esta editora publicou sob o título de «Filhos de Saturno». Poucas vezes se terá escrito em tão bom português, com tanta originalidade de pensamento, como nesses preciosos artigos.
Só um espírito tão lúcido, penetrante e original, servido num estilo literário de rara perfeição, como era timbre de AJS, poderia ter produzido tais escritos. São verdadeiras chapadas de inteligência que ali recebemos, fazendo-nos ver claro aquilo que outros, de ordinário, conseguem obscurecer.
Numa época em que se edita de mais, sobre tudo e sobre nada, não se compreende como esse livro não apareça de novo nas bancas, para nos provar que aqui, entre nós, houve quem visse, a quase 30 anos de distância, os males que nos ameaçavam e para onde estávamos todos a ser subrepticiamente conduzidos.
Também no tal texto de AJS sobre «O Salazarismo» colheríamos seguramente idêntica impressão de aturdimento e de estimulação intelectual, na incisão das suas frases, como na clareza do pensamento que as elaborou. Atente-se, por exemplo em dois extractos desse polémico artigo de AJS, O Salazarismo :
«… Segundo a nova constituição (a de 1933), a soberania não residia no “povo”, entidade quantitativa e informe, mas sim “em a Nação” e a Nação era uma entidade orgânica, com os seus órgãos próprios, competentes cada um para resolver os seus problemas. Por isso, o regime instituído pela Constituição de 1933 foi chamado de “democracia orgânica”, designação que o próprio Salazar não inventou, pois que Oliveira Martins, na geração anterior, a tinha aplicado a um sistema semelhante, que só existiu no papel (opúsculo “As Eleições”, 1872). O que Salazar contestava, como Oliveira Martins já o fizera, era a capacidade de o sistema “um homem-um voto” para resolver os problemas concretos do País. O que a sua Constituição (a de 1933) pretendia era o voto qualificado e representativo das estruturas ou órgãos do País.»
…
« … Na intenção, a União Nacional era uma organização que devia permitir a todos os Portugueses participarem na vida política independentemente dos Partidos, e não um “partido único”, como os factos vieram a fazê-lo.
Salazar foi, sem dúvida, um dos homens mais notáveis da História de Portugal e possuía uma qualidade que os homens notáveis nem sempre possuem : a recta intenção.
A sua Constituição é, sem dúvida, lógica e geometricamente exemplar… Mas o sistema constitucional óptimo, ou antes melhor, só existe subjectivamente; coincide com a vontade do criador. E é evidente que, por isso mesmo, é impraticável. Uma Constituição Ideal é sempre uma utopia. Enquanto Salazar foi vivo disse eu (AJS) duas ou três coisas que me pareciam evidentes. Uma, era sobre o regime corporativo: pensava eu (AJS) que as corporações eram uma instituição medieval, incompatível com o século XX. Estava enganado, porque vemos, cada vez mais os problemas serem resolvidos por métodos corporativos, por acordos entre patrões e operários ou por greves, também entre corporações. Por negociação entre entidades cada vez mais poderosas; “lobbies ou alianças sindicais. O problema agrava-se com as concentrações maciças de indivíduos e de capital.
Outra parece-me cada vez mais evidente e por isso mesmo põe problemas cada vez mais graves. A abolição dos Partidos Políticos supõe a criação de instrumentos que impeçam o seu aparecimento e crescimento, isto é : uma censura dos meios de comunicação e uma polícia que mantenha dentro de certos limites a faculdade de associação e de reunião. A repressão é inevitável num regime de liberdade vigiada, mesmo que seja para impedir o Partido Único.
… Por isso, as constituições precisam de ser feitas por homens medianos, intelectual e moralmente, e não podem ser entregues a homens rigorosos e muito competentes.
Era essa, possivelmente, a grande virtude e o grande defeito de Salazar : o rigor talvez excessivo consigo mesmo e com os outros. Quem lê os seus “ Discursos e Notas” fica subjugado pela limpidez e concisão de estilo, a mais perfeita e cativante prosa doutrinária que existe em Língua Portuguesa, atravessada por um ritmo afectivo poderoso. Por esse lado, a prosa de Salazar merece um lugar de relevo na História da Literatura Portuguesa ( e só considerações políticas até agora a têm arredado do lugar que lhe compete). É uma prosa que guarda a lucidez da da grande prosa do século XVII, e donde é banida toda a nebulosidade, toda a distracção, toda a frouxidão, tudo o que frequentemente torna obscura ou despropositadamente ofuscante a prosa dos nossos doutrinadores.
Essa prosa vem das melhores fontes do século XVII, o século lúcido entre todos, o século de Pascal. Do mesmo século herdou Salazar a sua utopia política. A sua utopia política foi o que se chama o “despotismo esclarecido”, de que é exemplo em Portugal o reinado de D. José, com o Ministro Pombla. Salazar não disputou o Governo, não adulou eleitores. Recebeu o Governo de quem o podia dar, isto é, do soberano. Nesse momento, o soberano era o poder militar saído de uma sublevação triunfante. Salazar tornou-se seu Ministro, como Pombal se tornou Ministro de D. José. O poder militar teve sucessivos protagonistas – Carmona, Craveiro Lopes, Almirante Tomaz – formalmente legítimos, e Salazar, recebendo deles a investidura, considerava-se um Primeiro-Ministro legítimo. “ A soberania é um facto, não é um direito” – escreveu uma vez, numa carta, Alexandre Herculano. É um facto a soberania hereditária dos Reis, como a soberania revolucionária das Juntas Militares.
Deu-se, graças a este sistema, congeminado e executado por Salazar, uma coincidência entre a Lei e o Legislador que, só ele, sabia a intenção da Lei e para além disso possuía qualidades de administrador miraculosamente raras, junto a uma igualmente rara integridade. Conseguiram-se coisas hoje inconcebíveis como a neutralidade na II Grande Guerra e, passando aos pormenores, a realização de uma extraordinária exposição internacional, a melhor exposição que se fez em Portugal, inaugurada conforme o programa em 1940, apesar de a guerra ter rebentado no Verão anterior, da ocupação de Paris pelos alemães, de estar em curso o bloqueio comercial à Inglaterra, etc. Refiro-me à Primeira Exposição do Mundo Português. Conseguiu-se também, pela primeira vez desde Pombal, pôr fim à tutela inglesa, que fora confirmada com sangue, na 1ª Guerra Mundial. E hoje vemos, com uma dura clareza, como o período da nossa história a que cabe o nome de Salazarismo foi o último em que merecemos o nome de Nação independente. Agora, em plena “democracia” e sendo o Povo “soberano”, resta-nos ser uma reserva de eucaliptos para uso de uma obscura entidade económica que tem o pseudónimo de CEE.»
In “Expresso”, 22 de Abril de 1989.
Transcrevi, assim, uma parte significativa de mais um dos célebres artigos políticos de AJS, para que nos seja possível apreciar o juízo deste denodado intelectual, dos raros que rejeitaram condecorações oficiais do Estado, a quem não reconhecia capacidade de efectuar distinções de carácter moral entre os seus cidadãos, visceralmente avesso a grupos e capelinhas, autónomo até ao limite, pensando sempre pela sua própria cabeça, na razão ou no erro, e que haveria de morrer vagamente anarquista, naquela figura castiça de velho livre-pensador, acompanhado da sua peculiar boininha preta, símbolo supremo da sua marcada austeridade e indomável rebeldia.
Ninguém poderá duvidar que AJS falou de Salazar como de facto ele o via, no balanço de uma vida de frontal oposição política, que a seu tempo lhe havia custado caro, ao contrário do que aconteceu com certas figuras, hoje estridulamente anti-Salazaristas, mas que, com Salazar e Caetano, fizeram toda uma carreira intelectual, académica ou profissional, sem sobressaltos, na sua maior parte ou razoavelmente acomodados, noutras, sem riscos assumidos, pelos ideais alegadamente comungados.
Outros, de facto, conheceram, com Salazar, maiores agruras e foram mesmo presos e torturados, como os Comunistas. Mas estes, pelo que silenciaram das atrocidades cometidas pelos regimes que eles próprios exaltavam, ficaram com o seu testemunho algo desvalorizado, porque sempre nos deram a entender que nunca hesitariam em repetir os exemplos de crueldade que os seus ícones estrangeiros, Estaline, Mao, Enver Hoxa, Ceaucescu, Kim Il Sung, Fidel, etc., praticavam em nome da defesa de um sistema político-filosófico, que, alguns, até filósofos de nome, como Jean-Paul Sartre, designaram de “doutrina inultrapassável do nosso tempo”.
Bem poderíamos exclamar : Aonde pode levar a cegueira de certas ideologias, mesmo a espíritos brilhantes, que tiveram acesso a todas as fontes de saber, em clima de total liberdade, nos anfiteatros da Sorbonne ou nas aprazíveis esplanadas de Saint Germain-des-Près. Que isto nos sirva de prevenção !
Que falta nos fazem hoje intelectuais como António José Saraiva, Jorge de Sena ou Vergílio Ferreira, para só falar nos que mais impressionaram a minha adolescência e juventude de há trinta e poucos anos.
AV_Lisboa, 01 de Maio de 2007, dia consagrado ao Trabalhador, braçal ou intelectual, que ganha honestamente o seu salário, contribuindo com a sua capacidade e com o seu empenho para o bem comum e, naturalmente, também pessoal e, por isso mesmo, merece ser tratado com todo o respeito e dignidade, por todos os Poderes e por todas as Hierarquias da Terra, por mais importantes ou altivas que estas se nos apresentem.
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