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Thursday, September 16, 2010

A LER NO "DO PORTUGAL PROFUNDO"

Quinta-feira, 9 de Setembro de 2010
A escolha do novo Patriarca de Lisboa e a autonomia da Igreja portuguesa .

Com a próxima resignação canónica de D. José Policarpo, que completa, em 26 de Fevereiro de 2011, os 75 anos de idade, e deferido o usual pedido do próprio pelo Papa Bento XVI, abre-se o processo de nomeação do novo Patricarca de Lisboa e futuro cardeal (no consistório seguinte).

É um momento crítico para os próximos anos da Igreja portuguesa e do País. A nomeação é uma oportunidade do Patriarcado de Lisboa recuperar a autonomia face ao poder político. É ainda uma ocasião de recuperação do País, não só no plano espiritual, mas também no plano temporal, pois, para lá da voz e da direcção diocesana, o Patriarcado de Lisboa controla a Rádio Renascença e a Universidade Católica de Lisboa, instituições com grande influência social e política. E, tal como o próprio Patriarcado, a Rádio Renascença (onde o gabinete do primeiro-ministro socialista foi contratar colaboradores precoces...) e a Universidade Católica (onde o Governo recrutou inquisidores e instalou antenas...) precisam de restabelecer a independência face a um Estado em clara deriva ditatorial e radicalização de costumes - em vez de se dobrarem a veicular a mensagem do poder e as suas campanhas e perspectiva, como se fossem órgãos oficiosos do Governo de agenda liberal nos costumes e posição anti-clerical. O Patriarca de Lisboa é o chefe da diocese de Lisboa e não o superior hierárquico dos outros bispos portugueses, como muita gente pensa, nem sequer o presidente da Conferência Episcopal; todavia, essa impressão e o facto da sede da diocese ser também a cidade capital política, económica, cultural e de maior concentração populacional, do País, para lá do referido controlo das instituições de poder referidas, torna o Patriarca de Lisboa, o bispo com maior importância da Igreja portuguesa. Isto é, tem um relevo social e projecção directa que se ergue acima do seu cargo.

Assim sendo, a escolha do novo Patriarca de Lisboa, pela importância da função e pelo momento do País, é ainda mais delicada do que costuma. Estão passados 36 anos desde a Revolução de Abril de 1974 e estamos novamente em época de turbulência económica, social e política. Não existe agora um perigo de perseguição dos crentes: há é uma necessidade de reevangelização, de independência da Igreja e de ressurgimento moral.

No período prévio à mudança de regime, importou ao Vaticano, que temia que a Igreja portuguesa viesse a ser forçada à quase clandestinidade após uma tomada do País pela ideologia marxista anti-religiosa, um prudente aggiornamento político, através da nomeação para o episcopado português de clérigos conotados com a esquerda e que pudessem estabelecer pontes com os sectores laicos, que garantissem a sobrevivência da Igreja. Essa transição de uma Igreja conservadora identificada com o regime salazarista para uma Igreja de pendor social esquerdista cumpriu as tarefas de protecção da Igreja dos abusos revolucionários, um relacionamento muito estreito com o novo poder político, a desejável aplicação mais rápida do Concílio Vaticano II e a reforma da imagem conservadora pretérita. O apoio de Mário Soares a esta nova atitude da Igreja foi uma espécie de confirmação profana do novo relacionamento e consistiu num salvo-conduto socialista (no dia do cerco ao Patriarcado, em 18 de Junho de 1975) após o levantamento social do centro e do norte do país, com epicentro na palavra do Arcebispo de Braga, D. Francisco Maria da Silva, que foi muito mais decisivo para a consolidação da democracia do que a lenda lisboeta bem-pensante do comício socialista da Fonte Luminosa, em 19 de Julho de 1975, organizado por António Guterres.

Esse posicionamento à esquerda não ficou, todavia, pela medida e tempo previstos, nem podia, pois a escolha dos bispos é uma decisão que tem efeitos durante décadas, não só por via dos titulares, mas também dos bispos auxiliares que lhes sucederam. Por exemplo, em Lisboa, ao Patriarca D. António Ribeiro, entronizado em Maio de 1971, sucedeu, em 1998, o seu coadjutor D. José Policarpo, que já auxiliar de Lisboa desde 1978. Assim, essa contiguidade com o poder maioritariamente socialista - tão frequente e abundante que dispensa linques e embaraça os críticos do relacionamento entre Salazar e o cardeal Cerejeira -, de certo modo, cristalizou a Igreja lisboeta num posicionamento profano e numa relação de fraternidade subserviente com o socialismo maçónico ateu e anti-clerical. Uma relação íntima que, com o radicalismo dos costumes introduzida no Estado pelo primeiro-ministro José Sócrates, em 2005, se tornou ainda mais estranha na Igreja universal e para lá do que a posição oficial da Igreja, católica, apostólica e romana, consente:


«Permanece portanto imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçónicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçónicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão.»
Declaração sobre a Maçonaria da Congregação para Doutrina da Sé, de 26 de Novembro de 1983, assinada pelo prefeito cardeal Joseph Ratzinger (actual Papa) e pelo secretário, D. Jérôme Hamer, e aprovada pelo Sumo Pontífice João Paulo II.
Veja-se ainda a este respeito, o artigo «Reflections a year after Declaration of Congregation for the Doctrine of the Faith: Irreconcilability between Christian faith and Freemasonry», do Osservatore Romano, de 11 de Março de 1985.

Assim, no mundo e também em Portugal, é inadmissível a pertença à Maçonaria de padres e bispos - mais surpreeendente nalgum grau de Venerável (!) -, mesmo que da Maçonaria regular, bem como a participação de padres e bispos em eventos da Maçonaria, como ágapes destas organizações. Ora, parte dominante da Igreja portuguesa, por meio destas ligações e relações espúrias, enfeudou-se à Maçonaria; e assim continuou, paradoxalmente, quando o Partido Socialista mudou da caridade gutérrica, supervisionada pelo meta-sistema maçónico, para o radicalismo anti-clerical de Sócrates, que manteve, aliás, o apoio desse meta-sistema político maçónico. E não há nenhum pajem cursilhista, nem qualquer intermediação maçónica do meta-sistema, que atenue a promiscuidade com esta radicalização anti-religiosa, a perseguição da influência moral da Igreja e o seu banimento progressivo do espaço público. Nem há qualquer declaração nuancée dos próprios clérigos envolvidos que elimine a natureza contra natura dessa pertença e dessa participação, que o povo não conhece, mas que agora ressuma e repugna. Porém, engana-se quem pensa que a presença e participação na Maçonaria sejam desconhecidas do próprio Vaticano, muito atento à realidade da Igreja portuguesa.

Portanto, a Igreja portuguesa precisa que a autonomia face ao poder político, que tem emergido na conferência episcopal neste dois últimos mandatos, por contraste com a abstenção e favorecimento em anos anteriores do poder político anti-clerical e radical, se consolide na escolha do novo Patriarca de Lisboa. Para isso, é fundamental escolher para Patriarca de Lisboa alguém que tenha dado provas de preferência espiritual, de autonomia pastoral face ao poder político, de sabedoria, moderação e prudência, seja insusceptível de promiscuidade com a Maçonaria ou de abstenção perante a deriva radical do Estado, e constitua, no País, uma referência moral com prestígio para recuperar a função da Igreja a partir da sua capital. D. Manuel Clemente, actual bispo do Porto, é o homem certo para esta hora decisiva. Padre, homem bom, ponderado, sensato e prudente, diplomata, com evidente capacidade de diálogo mas firme na decisão, modesto e concentrado na missão da Igreja, com boa figura nos media mas sem concessão nos princípios e resoluções, académico e humano, historiador e moderno, intelectual e organizador, líder pela prédica, escrita e saber, D. Manuel Clemente é a melhor escolha - digo, nesta altura, a única... - para conduzir a Igreja da capital para a função e lugar autónomo que lhe cabem na sociedade nacional. Como noutros casos se diz, e nestes com mais razão, é mesmo por não procurar o novo cargo que é a pessoa indicada para o desempenhar.

Sucessor natural de D. José Policarpo, pelo prestígio intelectual e pastoral que granjeou, o bispo auxiliar de Lisboa (desde 1999) D. Manuel Clemente, natural de Torres Vedras, foi enviado para o Porto, em 2007, creio que por vontade alheia; mas aceitou com resignação e alegria o novo encargo e fez, em três anos, no estilo colegial que aprendeu cedo na sua vida, do Porto, sem ofensa para as demais, a diocese portuguesa mais dinâmica, com enorme projecção pastoral, participação em eventos e crescimento espiritual, construindo pontes com a sociedade civil e alcançando até em sectores ateus, uma atenção, consideração e reconhecimento, excepcionais, sem transigir na sua mensagem católica, e conteúdo cultural, o que lhe valeu a distinção do Prémio Pessoa, em 2009. Vir (retornar) um bispo do Porto para Lisboa, como neste momento gravíssimo, nem sequer será uma decisão inédita: D. Tomás de Almeida, que foi o primeiro com o título de Patriarca de Lisboa, foi bispo do Porto, em 1709, antes de ser nomeado titular da diocese de Lisboa, em 1716. No Porto, D. Manuel Clemente deixará saudades, mas sobrará nos fiéis a consolação da ventura que foi o seu apostolado, a presença tranquila e activa nestes anos de dádiva e o orgulho da humildade do seu pastor para novo encargo. Paradoxalmente, poderá ser, em Lisboa, ainda mais útil aos católicos do Porto, pela centralidade e meios disponíveis. Para os católicos do País, e os portugueses em geral, será uma bênção de esperança.


Actualização: este poste foi emendado às 17:42 de 9-9-2010, às 9:15 de 10-9-2010; e emendado e actualizado às 8:08 de 13-9-2010 e 1:33 de 14-9-2010..


* Fotografia de Mário Fróis, Salinas Naturais de Rio Maior II, 2008.
Publicado por António Balbino Caldeira em 9/09/2010 02:35:00 AM