O regresso de Arroja
Mesmo vacinado, a vida não está para brincadeiras: “Há poucas fortunas, aceitamos poupanças a partir dos €5000. É um negócio em crise, como todo o negócio financeiro.” Talvez por isso, “regressa à luta das ideias com o lançamento no outono de um livro em que explica a tendência dos portugueses para os défices pela ‘cultura feminina’ reinante.”
Há mais na “doutrina” de Arroja (para além da atribuição da responsabilidade dos “défices” à “cultura feminina”) que o Expresso faz o favor de desvendar: “a sua doutrina sofisticou-se, extremando sempre posições. Defende uma democracia sem partidos, é contra a massificação do ensino superior, uma ideia importada dos países do norte. Quem não aceder à universidade ‘pode desenvolver outros talentos’.”
Mas a principal “luta das ideias” que o gestor de fortunas se dispõe a empreender é contra o sistema político: “a instituição mais danosa e adversa que importámos são os partidos.” Por isso, “[a] proibição dos partidos será a primeira medida para restaurar Portugal.” Uma vez com a mão na massa, Arroja aproveitaria a oportunidade para dar mais uns retoques na restauração do país, abolindo “o Ministério Público, o Estado-providência e a própria instituição da liberdade de expressão”. Deixou aparentemente saudades a Arroja o Estado Novo (e as colónias): “A única fase de prosperidade económica, estabilidade e unidade nacional foi quando os partidos estiveram proibidos.”
Não se pense no entanto que ele é contra a democracia: “Há muitas soluções, mas há uma à vista de todos: a eleição de um Papa. É um exercício democrático, a comunidade de seis mil milhões sente-se representada e mantém-se unida há dois mil anos. O colégio representativo, com pessoas que se distinguem pelo mérito e sabedoria, com autoridade que emana do povo é uma via possível.” Uma vaga suspeita do Expresso sobre a democraticidade do método proposto é desfeita num ápice: “Tem democracia, sim, mas não votam todos. O voto não é universal, os seminaristas de 18 anos não votam. Seria uma elite seleccionada em função da idade e mérito, assente em homens maduros, homens de julgamento.”
Homens, claro, para prevenir a contaminação dos “défices” pela “cultura feminina” — e seleccionados provavelmente pelo próprio Arroja na “bela moradia na Foz com vista para o mar, já despojada do ostensivo placard de néon que não resistiu à humidade atlântica”, onde consta que gere fortunas.