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Wednesday, March 1, 2017

BRUXA MUDA-TE PARA A GUINÉ PÁ...

O antipoliticamente correto


Assistimos hoje a um ataque ideológico da nova direita nacionalista e populista contra alguns dos mecanismos que nos protegem dos efeitos dos preconceitos mais primários. É o caso, em particular, do novo discurso contra o chamado "politicamente correto" e a promoção alternativa de uma linguagem agressiva e ofensiva, em que se confunde irreverência com boçalidade. O alinhamento de algumas frases de Trump, Marine Le Pen ou Wilders, que, deliberadamente, não quero reproduzir, pareceria uma lista de nomeações para um concurso de grosseria.


Apesar de todas as proclamações em contrário, a imigração (não confundir com o episódio recente dos refugiados da Síria) não está, nem nunca esteve, nas últimas décadas, descontrolada. Dois indicadores ajudam a ilustrar o grau de controlo que os Estados têm neste domínio. Primeiro, com a atual fortificação das fronteiras externas da UE e dos EUA (ver exemplo na imagem) nem 1% dos que tentam atravessá-la ilegalmente o conseguem. Segundo, os níveis de imigração nos países desenvolvidos estão ainda longe, em termos proporcionais, dos da primeira globalização que terminou por alturas da Primeira Guerra Mundial.
1. O politicamente correto tem sido um mecanismo de autocontrolo individual que nos defende de emoções preconceituosas que estão na base de todo o tipo de discriminação, seja ela racista, xenófoba, homofóbica ou sexista. O politicamente correto é uma forma de afirmação e de proteção dos valores morais que sustentam a civilidade. O antipoliticamente correto é, pelo contrário, uma forma insidiosa de desvalorização e de destruição de valores defendidos tanto pela esquerda democrática como pela direita conservadora e liberal, designadamente os valores da não discriminação, da liberdade individual e, já agora, da boa educação que ajuda a relacionamentos pacíficos baseados no respeito mútuo.

2. O relativo sucesso do antipoliticamente correto baseia-se em dois procedimentos. Por um lado no uso da caricatura do politicamente correto, para o descredibilizar, a partir de casos pontuais e extremos em que aquele se traduziu numa pressão normalizadora para lá do aceitável. No plano nacional, já o tínhamos visto em ação, em alguns casos pelos mesmos colunistas, no discurso contra o "eduquês". Por outro lado, e muito mais importante, no derrube dos limites morais à expressão das emoções mais intolerantes através do uso de uma linguagem agressiva para apelar ao apoio da turba contra o indivíduo considerado diferente, seja este o imigrante, o deficiente, o negro, o judeu, a mulher ou o homossexual. O antipoliticamente correto está hoje transformado numa espécie de "populisticamente correto" (para usar a expressão de Arwa Mahdawi), profundamente iliberal e amoral. De facto, o apelo à remoção do autocontrolo das emoções na expressão dos preconceitos mais abjetos e a adesão ao "gosto das massas" representa a rejeição dos valores da liberdade individual, da individualização e da igualdade entre todos os cidadãos e, nesse sentido, representa uma profunda regressão civilizacional.

3. O discurso sobre a imigração tem sido um dos domínios de expressão mais agressiva do antipoliticamente correto ou do populisticamente correto. O imigrante é hoje o bode expiatório de todos os males e medos sociais. Com base na ideia falsa de que a imigração é um fenómeno descontrolado, alimentam-se todos os receios, do desemprego à insegurança e à escassez de recursos. Apesar de todos os dados disponíveis, de todos os estudos e relatórios demonstrarem que a integração de imigrantes nos vários países da Europa, nos EUA, na Austrália e no Canadá terem tido sobretudo impactos sociais e económicos positivos, a nova direita nacionalista e populista não hesita em explorar os preconceitos e os medos mais básicos para garantir o apoio a políticas autoritárias.

4. E a esquerda? Acossada com insinuações de desinteresse pelas questões da segurança e da defesa, caricaturada com recurso a exemplos dos excessos minoritários do politicamente correto, amedrontada com o apoio popular obtido pelo antipoliticamente correto tem reagido muitas vezes da pior forma. Primeiro a direita conservadora, depois a esquerda caem na tentação de aceitar alguns dos preconceitos usados pelos populistas, ou algumas das suas consequências no plano das políticas, com o argumento de que só assim se consegue travar a nova direita nacionalista e populista. Veja-se, nas eleições holandesas, a competição entre as várias forças políticas sobre quem é mais anti-imigrante, que não poupa mesmo o partido trabalhista que recupera o velho discurso xenófobo de má consciência contra a imigração em nome da luta contra a degradação do mercado de trabalho. Ou, de forma mais continuada e institucional, o caso do discurso e da política anti-imigração protagonizado por Vallis em França.

5. Ao contrário do que se possa pretender, a aceitação, ainda que muito limitada, dos argumentos anti-imigração não travam o avanço da nova direita radical. Apenas servem para dar credibilidade aos argumentos nacionalistas e aos factos alternativos que sustentam o populisticamente correto. No final, acabam por legitimar os preconceitos em que se baseiam as práticas discriminatórias e remover os obstáculos ao avanço da nova direita.

A espuma dos dias

A política tabloide não distingue o essencial do acessório, aposta tudo no ruído, trata com igual dramatismo todo o tipo de falhas de governação, da troca de sms às transferências para offshores, independentemente dos prejuízos que dessas diferentes falhas vêm para o país. A política tabloide ignora o interesse público, inventa problemas, como o do clima de claustrofobia, e ignora o que verdadeiramente importa para melhorar a vida das pessoas, como a resolução do problema da governação da Caixa Geral de Depósitos e a sua manutenção como banco público.


Maria de Lurdes Rodrigues