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Saturday, August 7, 2010

IMAGINEM PORQUE É QUE NINGUÉM BERRA CONTRA O MEIO SUBMARINO GASTO NA SIDA POR ANO...











Alexandre Quintanilha e Richard Zimler
Um casamento deste mundo
por FERNANDA CÂNCIOHoje


Conheceram-se na Califórnia, o judeu ateu de Nova Iorque e o português-moçambicano, escritor e cientista. Após 31 anos de vida em comum, 20 deles no Porto, casam-se este Verão

No deserto do Novo México ou no Grand Canyon (Arizona). Era onde o judeu nova-iorquino naturalizado português (é cidadão nacional desde 2002) gostaria de casar-se com o português com passaporte americano filho de um açoriano e de uma alemã de Berlim, nascido em Moçambique e licenciado na África do Sul, onde se conheceram, no Café Flore de São Francisco. Mas as leis do Novo México e do Arizona, ao contrário das de cinco outros estados americanos, não permitem o casamento das pessoas do mesmo sexo, e ao fim de 31 anos de vida em comum Richard e Alexandre já não querem esperar mais.

Trinta e um anos, então:1978. Richard tem 22 (nasceu em 1956) e trabalha como estafeta enquanto tira um curso de música na Universidade Estatal de São Francisco, depois de se formar em Religiões Comparadas pela Duke University (ainda havia de licenciar-se em Jornalismo pela Universidade de Stanford, em 1982). Alexandre, 11 anos mais velho (colheita de 1945, nascido a 9 de Agosto, o dia da bomba atómica sobre Nagasaki), é professor em Berkeley, depois de se ter licenciado e doutorado em Física pela Universidade de Joanesburgo. "Apaixonei--me no momento em que o vi", diz Richard. "Para mim foi paixão à primeira vista. Ele diz que demorou alguns dias. Ele era muito bonito, fiquei absolutamente encantado e quis conhecê-lo (...). Passámos três dias juntos e nunca mais nos separámos."

O cientista filho de cientista - Aurélio Quintanilha, nascido em 1892 na freguesia de Santa Luzia de Angra, biólogo e oposicionista (foi aposentado compulsivamente em 1935 com base num decreto de Salazar que permite despedir por motivos políticos), estrangeirado como o filho viria a ser - que escolheu o curso de Física mas acabaria por se entregar à paixão do pai, a Biologia e descobrir na interdisciplinaridade o seu caminho, e o estafeta-músico-que-viria-a-ser-jornalista e-depois-tradutor-e-professor-de-jornalismo-e-depois-escritor. Ambos resultado de tantos cruzamentos e viagens e acidentes da história, diáspora judaica, nazismo, colonialismo, ditadura portuguesa, apartheid e depois, ainda, transportados para o outro lado do Atlântico por uma peste, o século XX assim inscritos nos: o filho da alemã Lucya Tiedtke, uma "preparadora de laboratório" que o pai, casado e com duas filhas, conheceu em Berlim quando esteve na respectiva universidade entre 1928 e 1931 como leitor de português e de onde o casal saiu perante o erguer do monstro (Hitler subiria ao poder em 1933) para se refugiar em Paris, de onde, depois de passar por Lisboa onde o melhor que arranjaram para um geneticista do seu gabarito foi dirigir uma cantina, partiu para a Moçambique colónia portuguesa - aí Alexandre nasce no último ano da guerra -, e o judeu ateu filho de um comunista (descrito como "um homem rígido, violento, egoísta, conservador") que no seu livro A Sétima Porta conta uma história iniciada na Berlim dos anos 30 centrada em Sophie, uma adolescente filha de um comunista que desenvolve uma amizade com um vizinho alfaiate judeu sefardita de origem portuguesa casado com uma alemã. Ficção e vida, assim misturadas: seria Richard escritor se não se tivesse deparado, em Portugal, com a história quase secreta de um pogrom (massacre) no início do século XVI, em Lisboa, que o fez escrever O Último Cabalista de Lisboa e iniciou a sua série sobre a família sefardita Zarco? E seria um escritor de sucesso internacional se uma editora portuguesa, a Quetzal, não tivesse decidido editar um livro que 24 congéneres norte-americanas haviam recusado por, qualifica Zimler, "provincianismo"? E teria algum dia Alexandre decidido viver no país do seu pai e das suas meias-irmãs (Carlota e Cecília, uma arquitecta e uma tradutora) se não se tivesse apaixonado por um homem cujo irmão morreu de sida no auge da epidemia, em Maio de 1989? Foi o trauma de Richard, que afirma numa entrevista de 2007 ter "uma sintonia de identidade" com o irmão com quem cresceu no mesmo quarto, a determinar a proposta de Alexandre: "Quando ele morre eu começo a mostrar alguns sintomas de doença mental. Por exemplo, lavava as mãos milhares de vezes ao dia, sintomas de stress. Tinha estado anos a lidar com a doença, com a família, os amigos, os médicos, no final, eu era o gerente do meu irmão? Nessa altura o Alexandre disse-me que, se calhar era melhor a gente mudar para Portugal, para começar de novo, num sítio onde ninguém falasse de sida. Porque em São Francisco era impossível, porque foi lá que mais cedo se sentiram os efeitos da sida e havia uma nuvem estranha por cima da cabeça de toda a gente: heterossexual, homossexual, homem, mulher, pais, filhos? Mudámo-nos em Agosto de 90, felizmente, para começar de novo? Às vezes, digo que Portugal me salvou a vida!" E talvez algo mais: noutra entrevista, fala de uma conversa com a ensaísta e romancista norte-americana Susan Sontag e de como a achou "provinciana". "Qualquer pessoa, por mais sofisticada que seja, pode cair na ratoeira de ficar presa no seu meio. Por isso é que eu digo a toda a gente: passa um ou dois anos no estrangeiro, porque vai com certeza mudar as tuas opiniões!" Um defeito que este agora cidadão português, a viver naquela que é comummente vista como uma cidade provinciana, encontra sobretudo nas pessoas do seu país de origem. "Os americanos, por razões históricas e geográficas, acreditam que não precisam dos outros. De certa forma eles têm razão. Uma pessoa pode viver toda uma vida na América - o que até pode ser muito fascinante - sem ter que atravessar uma fronteira. Não conhecem o mundo e o mundo está aqui ao nosso lado." O mundo no Porto, pois. O lugar onde Alexandre e Richard vivem desde 1990, onde Alexandre começou por trabalhar no Instituto Abel Salazar, antes de concretizar o projecto de criação do Instituto de Biologia Molecular e Celular, que dirigiu até ao início de 2009 e onde ainda trabalha e dá aulas, a cidade de que é vereador "sem pasta", eleito na lista de Elisa Ferreira, e onde Richard deu aulas de Jornalismo e fez tradução até se dedicar sobretudo à escrita e, nas horas vagas, à jardinagem na casa de fim-de-semana que têm no Norte. A cidade onde, numa cerimónia em que Richard garante em entrevista de Junho à Notícias Magazine ir apresentar-se de T-shirt e calças de sarja, irão casar-se, depois das férias americanas nas Montanhas Rochosas, "se calhar sem festa grande".