domingo, 18 de agosto de 2019
A DESERÇÃO COMO UMA (FALSA) VIRTUDE
A DESERÇÃO COMO UMA (FALSA) VIRTUDE
10/8/19
“… em boa ou má fortuna, a vida militar não é mais que uma religião de homens honrados.”
Calderon de La Barca
A edição do jornal das 20h00 da SIC, de 29 de Julho do corrente ano, contou com uma reportagem alargada sobre um episódio lamentável em que 15 elementos da guarnição do futuro NRP (fragata) Roberto Ivens (F-482) desertaram em França.
O enquadramento da “peça” feita pela jornalista de serviço, quase se podia sintetizar a isto: “fugiram da guerra colonial e da miséria do Portugal de Salazar”.
Dos 15 foragidos foram entrevistados dois que se dispuseram ao embuste e à ignomínia e um dos restantes 182 homens da guarnição que permaneceram no seu posto, fieis ao juramento que fizeram, mas cujo único argumento que encontrou para justificar a sua acção (não desertar) foi custar-lhe não puder voltar ao país. [1]
A cena passou-se em 1968 nos estaleiros “Atelier et Chantiers”, em Nantes, França, onde a guarnição estava a adestrar-se numa das quatro modernas fragatas da Classe João Belo, encomendadas pelo governo português; proceder às provas de mar e à incorporação do navio na Armada Nacional e trazê-lo para Lisboa, quando tudo estivesse concluído.[2]
A guarnição estava aboletada no navio S. Cristóvão que tinha sido levado para lá para servir de “navio depósito” a cujo comandante respondiam disciplinarmente.
A deserção ocorreu no dia em que se ia tomar posse da “Roberto Ivens” (cujo Comandante era o Capitão de Fragata Pina Cabral) e incorporá-la na Armada Nacional – e não às pinguinhas como referido.
Dos 15 que desertaram um era oficial médico (cuja influência nos restantes se ignora), outro foi um sargento de abastecimentos e os restantes eram marinheiros e grumetes.
As motivações, mal explicadas, teriam a ver com a “repressão”, a “fome” e a “guerra”, referindo-se vagamente o “Maio de 68” (em França), argumentos que a “peça televisiva” pressupõe como justificação (mais do que) aceitável…
Motivações que, no fundo, estavam quase exclusivamente ligadas com a procura de melhoria de vida pessoal, ou pelo encantamento de alguma moça.[3]
Chegou-se ao ponto de um dos entrevistados ter afirmado que o então Ministro da Marinha, Almirante Quintanilha e Mendonça Dias, terá chamado “nomes” aos desertores, o que teria caído mal na guarnição.
Decerto deviam estar á espera que o ministro lhes enviasse (aos desertores) uma carta de recomendação e pastilhas para a tosse!
Estes rapazes vêm agora cantar de alto pois após o golpe libertador florido a cravos, o seu crime – e de facto trata-se de um crime do foro militar – tinha sido amnistiado.
De facto calha sempre bem aos delinquentes limparem a borrada que fizeram…
E esta foi a primeira asneira que se fez: amnistiar desertores. Neste âmbito qualquer tolerância é cobardia e qualquer respeito é vilania.
Mas como o país ensandeceu e as autoridades “revolucionárias”, de então, acolheram toda a casta de traidores, desertores e criminosos de delito comum e muitos deles se guindaram, com ajuda até, a altos postos na vida nacional, o que se poderia esperar?
Tudo porque se confundiu deliberadamente traição à Pátria com luta política. Daí também confundir-se – com assaz propósito – a defesa do território, das populações e da soberania nacional com “guerra colonial”…
E muitas outras barbaridades que muitos pretendem “desculpar”, por via dos “desvarios” que sempre acontecem nos “processos revolucionários”.
Acabou por não se julgar ninguém a não ser os crimes das FP- 25 de Abril, cujos autores foram depois, convenientemente amnistiados…
Daqui deriva também a falta de explicação e de enquadramento com que não se explicam os eventos da peça televisiva.
Quem deserta, seja por que motivo for, tem que se sujeitar às consequências. Faz parte das regras e da natureza das coisas.
Os desertores em causa traíram o Juramento de Bandeira, traíram a Marinha e o seu bom nome; traíram os seus camaradas de armas e o seu espírito de corpo; traíram o ilustre português que deu nome ao seu navio; traíram o povo português que neles confiara a sua defesa e traíram o governo que lhe entregara a missão de operar uma “nau” moderna adquirida com o dinheiro do trabalho dos contribuintes e não pela via simples de um empréstimo aleatório e ruinoso, como hoje é uso.
No fim traíram-se a si mesmos, pois desertaram das suas convicções, se as tinham, pois desertaram da sua própria acção, tornando-se uns párias. E com a agravante da deserção ter sido feita em tempo de guerra e em país estrangeiro!
Finalmente para os 15 que desertaram serem quase tratados como heróis na lamentável ligeireza, enviesamento ideológico, erro e mentira, como foi elaborado este momento televisivo, como é que se há - de apodar a esmagadora maioria da guarnição que cumpriu com o seu dever? Idiotas? Vendidos? Cobardolas? Fascistas? Ignorantes? Quiçá, traidores?
E porque é que a peça não refere que no mesmo período, alargado em ¾ anos, passaram por França, guarnições de mais três fragatas e quatro submarinos (mais o pessoal de apoio) e não há notícia de nenhuma deserção?[4]
A acusação feita no argumento da “reportagem” de que fugiam da miséria, será compaginável com o facto, da guarnição estar em terra estranha bem tratada pela Armada e a ganhar ajudas de custo, pergunta-se?
E o oficial médico vivia mal? No Estado Novo os médicos viviam mal? E poderão os argumentistas fazer o favor de me explicar qual foi a época em Portugal, desde Afonso Henriques, onde o povo vivia bem e não havia miséria?
E agora emigra-se porquê? Porque são ricos? Fogem da “luminosidade” (em contraponto a “obscurantismo da ditadura”) democrática? E os ricos que temos, quantos os são por trabalho honesto? E digam-me senhores jornalistas que andam com os pés no ar e as mãos no chão, como é que se deve reagir, hoje, se um militar português desertar no Afeganistão ou na República Centro Africana? Fazemos-lhe uma estátua, como aquela (inacreditável) erigida no Feijó dedicada ao “marinheiro insubmisso”?
Agora a guerra já não é colonial? É justa? Para quem?
Já pensaram em ir coçar a sarna para detrás do sol - posto?
Estes desertores de má memória não devem, pois, receber encómios, justificações serôdias, desculpas foleiras, que são em simultâneo, acusações ingratas, injustas, funestas e insultuosas a quem sempre cumpriu o seu dever para com as Forças Armadas, a Nação e a Pátria.
Devem sim ser sujeitos para todo o sempre à censura social e ao gradual desaparecimento da sua triste memória como um episódio nada ilustre da nossa vida colectiva.
A não ser que, para os obreiros da “peça”, seus eventuais mentores e, ou, padrinhos, a Instituição Militar e a Nação no seu todo, sejam apenas – ao contrário do que defendia Calderon de La Barca - uma comunidade de estômagos e ânus.
Este trabalho jornalístico é, pela sua falta de objectividade e seriedade, um mau serviço prestado à comunidade.
Passar bem. [5]
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
[1] A guarnição do navio era, na altura, de 14 oficiais, 29 sargentos e 159 praças.
[2] As fragatas eram idênticas às da classe “Comandant Riviére”, deslocavam 2250 toneladas, chegavam aos 25 nós de velocidade e possuíam três peças de 100 m/m; duas peças, de 40 m/m; um morteiro A/S de 305 m/m; dois reparos lança torpedos, de 550 m/m e vários sensores anti aéreos e anti submarinos. A F-482 entrou ao serviço em 23/11/1968 e foi abatida em 1998.
[3] O oficial médico tinha passado até a trabalhar até, a tempo parcial, num hospital da cidade e terá pedido para frequentar um curso o que lhe foi indeferido superiormente. Não se sabe ao certo se tal teve alguma influência na sua decisão. Soube-se que passou depois à Suíça, onde se lhe juntou a mulher. E desapareceu. Que Deus o acolha na sua infinita misericórdia.
[4] Apenas voltou a acontecer um caso semelhante, em 1970, com a Fragata João Belo, que numa visita à Austrália, perdeu um sargento e 10 praças, por deserção.
[5] Abaixo a Revolução. Venha a Contra Revolução!
Publicada por Ricardo Ferreira à(s) 23:10 Sem comentários:
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