Agosto 2008 - 00h30
Sentir o Direito
A insustentável não defesa
“Não é possível fazer comparação abstracta dos valores em conflito, porque o agressor e a vítima não estão em pé de igualdade.”
Por influência alemã, a doutrina da legítima defesa tem considerado que não há que respeitar qualquer proporcionalidade na reacção contra agressões ilícitas. Quer isto dizer que se poderá usar a força mais intensa para repelir uma ofensa a bens pouco importantes, se isso for indispensável para o êxito da defesa.
Até há alguns anos, era esta a perspectiva dominante entre os penalistas portugueses. Porém, os tribunais orientaram--se (e bem) para critérios de proporcionalidade. Mantiveram-se fiéis a um arquétipo da consciência jurídica, que subsiste por influência de uma tradição diferente da prussiana – a católica.
Em 1992, defendi que só há legítima defesa ilimitada perante agressões contra a vida, a integridade física, a liberdade e até contra o património, desde que sejam afectadas as condições de realização da pessoa. Nesses casos, é insuportável a não defesa, mesmo que a defesa conduza à morte do agressor.
Uma estrita proporcionalidade, que rejeito, impediria sempre as vítimas de violação ou de sequestro de matar o agente do crime e poderia obrigá-las a suportar a agressão. Ora, não é possível fazer uma comparação abstracta dos valores em conflito, porque o agressor e a vítima não estão em pé de igualdade.
Há agressões que, não atingindo a vida, põem em causa a dignidade da vítima e que esta não tem o dever de suportar. No recente assalto ao banco de Campolide, por exemplo, não nos podemos esquecer de que, para além da vida, a liberdade e a integridade dos reféns estiveram sempre em causa.
Dizer-se, como li na internet, que a acção da polícia não constituiu nesse caso legítima defesa dos reféns, por ter sido premeditada, revela desconhecimento de uma doutrina construída ao longo de séculos. Tal entendimento entrega a liberdade e a integridade das vítimas ao arbítrio dos agressores.
O Estado não pode admitir a persistência de agressões graves contra a liberdade ou a integridade. Nos sequestros, as negociações têm como justificação preservar a vida das vítimas e utilizar o meio de defesa menos danoso. O tempo da negociação não é ilimitado e depende desses parâmetros.
Diferentes serão os requisitos da legítima defesa em crimes não violentos. A utilização de armas de fogo deve ser então restrita, evitando-se sempre o disparo contra pessoas. Assim, excluiremos erros fatais para os visados e geradores de responsabilidade para os defendentes (caso se prove a negligência).
Mas nunca poderemos esquecer que a possibilidade de inocentes serem atingidos responsabiliza, em primeiro lugar, os agentes de crimes que expuseram pessoas indefesas ao perigo. E a responsabilidade aumenta quando, por força do parentesco, os criminosos deviam proteger essas pessoas.
Fernanda Palma, Professora catedrática de Direito Penal