Entre 1963 e 1974, combateram na Guiné cerca de 250 000 militares portugueses. Desses, cerca de 40 000 eram guineenses, à altura cidadãos portugueses de pleno direito que exerciam o seu dever constitucional de defender a pátria. Estes militares bateram-se com honra por Portugal. Cumpriam uma obrigação, mas não foram forçados. Sentiam-se portugueses. Juraram a bandeira à sombra da qual nasceram, e defenderam-na sem reserva ou hesitação. Muitos cobriram-se de glória no campo de batalha. Para lá de alguma ingratidão residual, a maioria dos portugueses lembra Marcelino da Mata com carinho e admiração. Muitos milhares de outros, menos conhecidos, serviram com igual fidelidade a causa nacional.
Estes 40 000 portugueses de verdade, de provas dadas e sangue derramado foram traídos. No rescaldo do 25 de Abril, o novo Portugal não os quis. António de Almeida Santos, então com a pasta Ultramarina, privou-os sumariamente da nacionalidade portuguesa pelo Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho de 1975. Do dia para a noite, sem aviso, sem referendo, sem consulta, sem possibilidade de contraditório ou apelo, foram privados do passaporte todos aqueles que, nascidos no Ultramar, não fossem descendentes de europeus ou goeses. Se alguma vez houve decisão eivada de preconceito racista no Portugal moderno, foi esta: o único critério para a cassação da nacionalidade portuguesa foi a cor da pele. Ter servido, sofrido, sangrado e sacrificado tudo por Portugal no campo de batalha não os poupou àquela arbitrariedade imoral e inconstitucional.
Deixados para trás pelo poder de Lisboa, estes homens foram encarcerados ou mortos pelo novo governo guineense, que os considerava uma ameaça e duvidava da sua lealdade. Cinquenta anos depois, o número total das vítimas continua por conhecer. Entre 700 e 5000 veteranos do Exército português acabaram fuzilados nos campos de Cumeré, Farim, Mansoa, Bafatá ou Bissau. Muitos foram assassinados com as suas famílias. Outros escaparam para anos de pobreza e abandono no Senegal. Estas são as histórias dos antigos combatentes guineenses das Forças Armadas Portuguesas. Em pleno 2022, Portugal continua a ignorá-las. Continua sem responder aos pedidos de ajuda dos mutilados de guerra. Continua a não reconhecer qualquer responsabilidade no que
Queremos voltar a ser portugueses
aconteceu aos combatentes. Jamais lhes pediu perdão.
A maioria de nós compreenderia se estes militares traídos chegassem a 2022 sentindo ódio pelo país que os deixou para trás. Mas estes homens não são assim. Quarenta e sete anos após a assinatura de Almeida Santos lhes ter roubado a pátria, tudo o que querem é tê-la de volta. A petição "Nós, antigos combatentes da Guiné, queremos voltar a ser portugueses", da Nova Portugalidade e da Associação dos Ex-Combatentes das Forças Armadas Portuguesas na Guiné-Bissau, apresenta uma reivindicação apenas: que o Estado devolva aos seis mil combatentes sobreviventes a sua dignidade de cidadãos portugueses. Às mais de mil assinaturas portuguesas recolhidas ao longo da passada semana se juntam outras cinco mil na Guiné: dos combatentes, das suas famílias, de amigos e outros cidadãos movidos por esta causa. Este é um movimento de todos para alguns dos melhores de nós. Quase cinquenta anos após o decreto de Almeida Santos, o mínimo que podemos fazer é olhar a História de frente, reconhecer esta página triste do nosso passado e remediá-la. Garantir que os nossos soldados da Guiné não morrem em ostracismo injusto, expulsos da nação que serviram com honra e fidelidade, será uma boa maneira de começar.