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Cientista portuguesa retira artigo após suspeita de ter manipulado imagens
SAMUEL SILVA 03/03/2016 - 07:08
Sónia Melo ficou sem uma bolsa de 50 mil euros anuais na sequência do caso e estão suspensas as suas funções de investigadora principal do laboratório I3S, no Porto. Este tipo de casos é raro em Portugal.
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É um caso que promete dar que falar na comunidade científica portuguesa. Sónia Melo, que até há bem pouco tempo era apontada como uma das mais promissoras investigadoras do país, enfrenta agora acusações de manipulação do seu trabalho, que já a levaram a retirar um artigo publicado na revista Nature Genetics, em 2009. Há outros quatro artigos científicos (papers) por si publicados desde então que estão sob suspeita. Face às acusações, a Organização Europeia de Biologia Molecular (EMBO, na sigla em inglês), que em Dezembro lhe tinha atribuída uma bolsa de 50 mil euros, retirou-lhe o prémio na segunda-feira. E as suas funções no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S), no Porto, foram suspensas também esta semana.
As dúvidas sobre o trabalho científico de Sónia Melo foram levantadas pela primeira vez no final de Setembro do ano passado, no PubPeer, um site que se dedica a fazer revisão de pares após publicação (post-publication peer review). O portal divulgou então os primeiros indícios de que a investigadora tinha repetido imagens microscópicas de uma mutação genética de um cancro, num artigo de 2009. Nos dias seguintes, noutras publicações na mesma plataforma, os autores apresentaram outras provas, sugerindo que o processo seria sempre semelhante: a cientista repetia, invertia e fazia rotações das mesmas imagens, de modo a reforçar a solidez dos resultados alcançados na sua investigação.
O assunto acabaria por ganhar novo fôlego no final do ano, quando Sónia Melo foi um dos nove cientistas europeus a receber uma bolsa de instalação da EMBO, no valor de 50 mil euros anuais atribuídos por um período de três a cinco anos. As imagens do PubPeer chegaram então a outros sites que fazem revisão de artigos científicos como o For Better Science e o Retraction Watch. As atenções da comunidade científica centravam-se no primeiro artigo publicado por Sónia Melo, em 2009, na revista Nature Genetics, e que era resultado do trabalho de doutoramento que estava a realizar no Instituto de Investigação Biomédica de Bellvitge (Idibell), em Barcelona.
A 27 de Janeiro, Sónia Melo assumiu a duplicação de imagens, numa “notícia de retracção” publicada na mesma revista científica. Contactada pelo PÚBLICO, a cientista, actualmente a trabalhar no novo instituto I3S, no Porto, não quis pronunciar-se sobre a situação. Mas, ao Retraction Watch, tinha garantido “não ter havido um esforço para cometer fraude”. “Lamento a falta de diligência que mostrei com o manuscrito da Nature Genetics, o meu primeiro artigo como estudante de doutoramento”, justificava a investigadora.
Também Manel Esteller, orientador de Sónia Melo no Ibibell e co-autor da publicação, é parco em palavras. O cientista espanhol assegura apenas: “Quando foi detectada uma apresentação inadequada de parte dos dados desse estudo, decidimos apoiar a retracção do artigo, para preservar os padrões de alta qualidade científica que sempre nos caracterizaram.”
Vínculo ao I3S em análise
Os problemas para Sónia Melo podem, porém, não ficar por aqui. O site PubPeer, que levantou as primeiras dúvidas sobre o seu trabalho, assinala outros quatro artigos sob suspeita, dois deles publicados na revista Cancer Cell (em 2010 e 2014), outro na Proceedings of the National Academy of Sciences (2011) e o mais recente, do ano passado, publicado na Nature. Em todos eles, há imagens que, tal como no artigo de que a investigadora já se retractou, parecem ter sido duplicadas ou manipuladas.
Estas acusações começam já a ter consequências para Sónia Melo, de 36 anos. Além de ter perdido do currículo pelo menos um artigo científico numa revista prestigiada, a bolsa da EMBO atribuída em Dezembro – e que se destinava a apoiar a instalação do grupo da investigadora sobre exossomas – foi-lhe retirada e o financiamento de 50 mil euros anuais cancelado. Desde a última segunda-feira que junto do nome da cientista do I3S aparece no site da EMBO uma nota anunciando a decisão.
Face às dúvidas levantadas sobre a eventual manipulação de dados nos artigos de Sónia Melo, aquele organismo de âmbito europeu investigou “de forma cuidadosa e abrangente” o caso, avança ao PÚBLICO o director de comunicação da EMBO, Tilmann Kiessling. “O nosso comité concluiu que no corpo do trabalho em que se baseou a atribuição da bolsa de instalação há provas de negligência no manuseamento e na apresentação de dados que o excluíram de uma recomendação para um prémio”, acrescentou Tilmann Kiessling.