Reportagem
Boureima, o imigrante ilegal que encontrou um “irmão” em Portugal
13.08.2012 - 17:02 Por Fábio Monteiro
Os caminhos de Matias Linger e Boureima Odraogo cruzaram-se no Centro de Acolhimento Pedro Arrupe, em Lisboa. Cada um desempenhava um papel diferente no programa social Lado a Lado. Dois anos depois de se conhecerem, tutor e tutorando falam sobre os altos e baixos da vida de um imigrante ilegal em Portugal.
Boureima Odraogo tem 46 anos e nasceu em Ouahigoya, a terceira cidade mais habitada da Burkina Faso. Veio para Portugal, como tantos outros, em 2005, à procura de emprego e dinheiro para sustentar os três filhos, um deles, na altura, recém-nascido.
Podia ter ido para França, onde teria mais facilidades com a língua, dado que a Burkina Faso é uma ex-colónia francesa. Os amigos ainda lhe perguntaram o porquê desta escolha, mas Boureima justificou dizendo que “não queria conhecer galinhas, mas sim comer galinhas”. Os ressentimentos e desigualdades parecem ainda não ter sido esquecidos, mesmo após a independência da Burkina Faso em 1960.
“Cheguei sem contrato de trabalho e em situação ilegal, através de contactos familiares” disse Boureima, com uma pronúncia quase portuguesa. Após sete anos em Portugal, às vezes, ainda “tropeça” em algumas palavras francesas.
Chegou a Lisboa e ficou alojado em casa de um amigo do cunhado, que mais tarde o ludibriou. Por estar ilegal, Boureima não pôde abrir conta bancária pelo que decidiu confiar as poupanças ao colega de casa. Este ficou responsável por depositar na sua conta o salário de Boureima, dinheiro que nunca foi devolvido.
“Após seis meses juntei 2000 euros e quis enviá-los para a minha família em África. Contudo, ele [o colega de casa] começou a arranjar desculpas e a dizer que o cartão bancário estava estragado. Nunca mais voltei a ter esse dinheiro. Mudei-me de casa depois disto”, conta Boureima.
Por não ter documentos portugueses, não podia ser contratado e ter os mesmos benefícios sociais que outros trabalhadores. Daí foi um pequeno salto até entrar no mercado ilegal de trabalho. Durante quatro anos, foi todas as manhãs para uma zona do Campo Grande, cuja localização Boureima prefere não revelar, onde empreiteiros de construção o chamavam para trabalhar.
“Apontavam e seleccionavam quem queriam levar naquele dia” descreve o imigrante de Burkina Faso. Boureima descobriu um Portugal onde ainda se trabalhava à jorna, como antigamente quando os capatazes escolhiam nas praças públicas os homens para trabalhar naquele dia.
No caso dos imigrantes ilegais, adicionava-se à precariedade a “constante incerteza de ter trabalho ou não e o facto de os salários serem “adaptados” para os ilegais”, sublinha Boureima.
No final do ano de 2009, a construção civil começou a sentir a crise económica e a disponibilidade de trabalho foi afectada. “Fiquei sem trabalho durante alguns meses, e não estava ao conseguir pagar a renda de casa. Após estar a dever dois meses ao senhorio, fui expulso da casa no meu dia de anos. Era dia 2 de Fevereiro de 2010 e só me lembro de chorar”, refere enquanto encena com as mãos as lágrimas que na altura caíram.
Neste momento de crise, um amigo senegalês aconselhou-o a ir à Santa Casa da Misericórdia pedir ajuda. “Ainda me consigo ver lá: tinha uma mala grande ao meu lado. Entrei e expliquei a minha situação, mas, como não tinha documentos, disseram que não podiam fazer nada. Ao ouvir isto gritei: Não vou dormir na rua, está frio e posso acabar por ser morto”, afirmou em tom dramático.
Passadas algumas horas e feitos alguns telefonemas dos responsáveis da Santa Casa da Misericórdia, Boureima acabou por não ficar na rua. Foi recebido numa residência para imigrantes em Chelas.
No entanto, a instituição de acolhimento não tinha resposta para algumas necessidades que ele considerava básicas. “Sou muçulmano devoto e não conseguia praticar a minha religião. Nem a comida era compatível. Então, depois de três meses, arranjaram-me uma entrevista para o Centro Pedro Arrupe, do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS Portugal).” Passados cinco dias, recebeu a confirmação que tanto desejava. Era o dia 24 de Maio de 2010.
O Centro Pedro Arrupe (CPA) é um local de acolhimento temporário para imigrantes e pertence ao Serviço Jesuíta aos Refugiados. A chegada de Boureima coincidiu com o início do programa de tutoria social. Foi neste programa que Boureima e Matias, os “irmãos”, há muito separados, se encontraram.Boureima e Matias
Já passaram quase dois anos, desde que Matias e Boureima se conheceram. O imigrante tinha acabado de chegar ao Centro Pedro Arrupe e Matias estava a procurar uma oportunidade de voluntariado.
Matias Linger é argentino e casado com uma portuguesa. Veio viver para Portugal há três anos, porque queria assentar e criar bases para os seus quatro filhos. Gostava de trabalhar para a agência europeia de controlo das drogas, mas sentiu necessidade de fazer algo diferente.
“Um dia contactei o JRS Portugal e falaram-me de muitas oportunidades de voluntariado. Fiquei curioso e decidi arriscar”. Desde Setembro de 2010, encontra-se semanalmente com o seu tutorando para conversarem.
Boureima aproveitou esta deixa para relembrar que o tutor o leva sempre a almoçar a um restaurante senegalês e não conseguiu esconder o que sente. “O Matias foi-me apresentado como meu tutor, mas agora ele é família. Depois de tudo que partilhei e passei como ele, foi como se tivesse conhecido um novo irmão. Graças a Alá”, acrescentou Boureima na conversa.
Enquanto isto, Matias olhava de forma terna para Boureima. “Este programa é uma relação de dois sentidos. Temos de estar presentes nas mais básicas necessidades, até ao domínio da língua e procura de trabalho”, acrescentou o tutor.
“Nós como tutores nunca sabemos bem se estamos a ajudar. As questões como o caso do Boureima não se solucionam de um dia para o outro. Na realidade não tenho nada para dar em sentido material. Temos para dar num sentido imaterial, quase espiritual. Estar lá e acompanhar”, sublinhou.
No meio da relação de amizade que construíram estiveram várias etapas vividas por Boureima, como arranjar emprego. “Tive sorte que o meu caso foi facilitado. Boureima foi sempre optimista e com uma forte esperança religiosa. Mesmo quando estava num ponto crítico, começava sempre a pensar como dar a volta”, relembra Matias.
O gabinete de procura de trabalho do JRS Portugal também deu uma ajuda, mas a prioridade teve que ser sempre a legalização de Boureima.
Durante cinco anos Boureima viveu em Portugal a “passar ao lado da polícia.” Por ironia do destino, a única vez que as autoridades o abordaram foi segundos depois de ter a sua legalização confirmada. “Tinha ido a um cabine telefónica, para falar com a minha família em África. Fechei a porta para estar sossegado e sem barulho, mas um polícia de fora deve ter suspeitado”, relembra mantendo o suspense.
“Nesse mesmo instante - ainda nem tinha começado a digitar os números - o meu telemóvel tocou. Era o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a informar-me que no dia seguinte podia dar entrada dos papéis finais para a legalização em Portugal. Saí da cabine e disse ao polícia: hoje já não pode fazer nada comigo”, rematou Boureima.
Tratadas as questões burocráticas, Boureima e o gabinete de emprego do JRS uniram esforços e acabaram por encontrar um anúncio a pedir um empregado de mesa na Portela. Boureima ficou com o número e tratou de telefonar, mas a primeira tentativa foi em vão.
“Liguei logo, mas o número estava errado no anúncio. No dia seguinte voltou a ser pública já com o número corrigido. Chamaram-me para a entrevista e desde então é lá que trabalho”, conta.
A família de Boureima ainda está no Burkina Faso, mas ele espera “conseguir ir lá em 2013 para trazer parte da família que falta em Portugal”.
Durante a entrevista, Matias ouviu mais do que falou. Se o papel principal coube a Boureima e o tutor assistiu com orgulho, Matias terminou a conversa com uma intervenção carinhosa: “A nossa história lembra-me sempre o filme 'Twins'”. Neste filme de 1988, contracenam Arnold Schwarzenegger e Dani da Vito, como dois irmãos gémeos que foram separados à nascença, mas que se encontram já na fase adulta da sua vida.Lado a Lado: Tutoria Social
O Serviço Jesuíta aos Refugiados é uma organização internacional da Igreja Católica, fundada em 1980, sob responsabilidade da Companhia de Jesus. Tem como missão “Acompanhar, Servir e Defender” os refugiados, deslocados à força e todos os migrantes em situação de particular vulnerabilidade. Está presente em cerca de 50 países, prestando apoio em situações de emergência social, e nas áreas da saúde, educação, empregabilidade, entre outras.
O projecto Lado a Lado: Tutoria Social é uma iniciativa do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS Portugal) em marcha desde 2010, que tem como objectivo geral proporcionar um acompanhamento individual e personalizado do migrante (por um tutor voluntário), complementar ao apoio técnico oferecido pela equipa do JRS Portugal. O projecto tem como grupo alvo a população adulta residente no Centro de Alojamento Temporário Pedro Arrupe (CPA), gerido pelo JRS.
Integra 13 tutores voluntários e dois assistentes sociais da equipa técnica do Centro Pedro Arrupe, que acompanham, supervisionam e avaliam a eficácia desta intervenção, dando apoio de retaguarda tanto aos tutores, como aos tutorandos. Em 2010, beneficiaram deste projecto 15 residentes do CPA.
ESTE NÃO GOSTAVA DE FRANCESES.GOSTA MAIS DOS AFECTOS PORTUGUESES.VÃO SOMANDO.E AO MESMO TEMPO DIVIDINDO...
AQUI PELOS VISTOS EXISTE O CÉU E O INFERNO.MAS COM TODA A GENTE A A CAMINHO DO PURGATÓRIO...
CURIOSO COMO O MISSIONARISMO AGORA TAMBÉM É CÁ DENTRO.E SEM PEDITÓRIOS.É TUDO POR CONTA DO OE...
COM UM PORTUGAL DESGOVERNADO É SÓ ESPERAR PELA PANCADA...
PS
COMO VÊM O SEF EMBORA EXISTA É COMO SE NÃO EXISTISSE...