I. A justiça
A razão mais importante e decisiva por que vou votar no André Ventura é que ele tem para Portugal a mesma prioridade que eu tenho - "uma profundíssima reforma da justiça" (cf. aqui).
Numa ditadura pessoal, como aquela que governou Portugal sob o regime de Salazar, as pessoas seguem na vida o fim que lhes for determinado pelo ditador. Pelo contrário, uma democracia é um regime de regras. Cada um pode prosseguir na vida os fins que entender, sujeito a um conjunto de regras (leis) que são iguais para todos.
Numa ditadura pessoal, o poder mais importante é o poder executivo porque é através das decisões executivas que se exprime a vontade e o desígnio do ditador, ao qual todos têm de se submeter. O ditador reúne os três poderes, mas o legislativo e o judicial estão ao serviço do executivo. A política é vista como uma missão que o ditador prossegue levando todos os cidadãos atrás de si ("O rebanho de Deus", na expressão da Igreja Católica que é paradigma da autoridade pessoal na figura do Papa).
Numa democracia, o poder mais importante é o poder judicial porque é esse que zela pelo cumprimento das regras. Cada pessoa é livre de prosseguir os seus fins na vida, individualmente ou agrupada em partidos, associações cívicas, empresas, famílias, associações religiosas, grupos desportivos, etc. Numa democracia, a politica é um jogo em que o árbitro é o poder judicial.
Os atributos mais importantes que se esperam de um árbitro são os de que ele seja independente dos jogadores e que seja imparcial, isto é que faça cumprir as regras de modo igual para todos. Daí que a democracia - ao contrário da ditadura, que reúne os três poderes nas mãos de um só homem - exija a separação de poderes e, em particular, que o poder judicial seja independente do poder político (executivo e legislativo). Só assim ele pode ser também imparcial.
Ora, o nosso sistema de justiça - o nosso árbitro - está capturado por dois jogadores principais, o PS e PSD, que lhe roubam a independência e a imparcialidade. Está corrompido, como os escândalos mais recentes na justiça têm claramente demonstrado.
Nada se faz no país sem o consentimento do PS ou do PSD, ou de ambos, que governam o país há mais de 40 anos, ocasionalmente apoiados em muletas como o CDS, o PCP ou o BE.
E são também o PS e o PSD em aliança que controlam as principais instituições da justiça, como o Tribunal Constitucional (cf. aqui), que é o tribunal superior do país, ou o Conselho Superior da Magistratura, que é o órgão de governação dos juízes (cf. aqui) (ou, ainda, o representante português na Procuradora Europeia, como o episódio recente veio mostrar).
São ainda o PS e o PSD que controlam o Ministério Público, a polícia política do regime, que persegue todos os cidadãos e políticos independentes (como se viu recentemente com o Presidente da Câmara do Porto) e que alimenta as guerras intestinas entre eles, dando a sensação de que está a fazer justiça.
A justiça está capturada por dois jogadores, corrompendo a independência e a imparcialidade do árbitro. Não há mérito que vença, empresa que prospere, iniciativa cívica que avance se não tirar o chapéu ao PS, ao PSD ou a ambos, e não lhes pagar as portagens e as comissões.
É este regime (ou sistema) fechado, feito exclusivamente para os apaniguados e que exclui todos os outros, que o André Ventura não quer.
E eu também não.
(Continua)