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Sunday, June 8, 2008

A DITADURA DO POLITICAMENTE CORRECTO, MAS TAMBÉM RACISTA

Segunda-feira, 2 de Junho

A PRETO E BRANCO

Contaram-me da recente conferência dada por um jovem escritor português na Universidade de Maputo. O escritor apresentou-se como nascido em Angola e, embora branco por fora, preto no interior. "Sou igual a vocês: rebelde."

Aqui, um dos espectadores pediu a palavra. Explicou que conciliava os estudos com o trabalho, que gostava de regressar a casa à noite, de jantar e de beber uma cerveja na companhia da mulher. Em suma, gostava de sossego, e não se sentia, de modo nenhum, rebelde. O que levava o escritor a presumir o contrário? A cor da pele? Num ápice, inúmeros estudantes juntaram-se ao coro, entretanto já inflamado. Preto é rebelde porquê? O escritor implorava um buraco que se abrisse no chão. Merecidamente, não se abriu.

O episódio foi uma ligeira vergonha. Não foi surpreendente e não é raro. A voga "multicultural" está repleta de casos assim, em que a vontade cega de lisonjear o "outro" acaba por transformá-lo num conjunto desconchavado de estereótipos. O "outro" é o que desejamos que seja, um bonequinho dócil quando importa mostrá-lo dócil, um herói insubmisso quando convém mostrá-lo insubmisso. Os pretos, todos os pretos, são rebeldes? Norman Mailer pensava o mesmo, no louvável sentido em que os pretos, todos os pretos, não se submetem à "ordem instituída" ou lá o que é.

Porém, na medida em que jamais lhes atribuímos as características que condenamos, há coisas que os pretos, todos os pretos, não são. Racistas ou xenófobos, por exemplo. Entrevistada pela Folha de S. Paulo, uma alegada perita em assuntos africanos assegura que a barbárie em curso na África do Sul, onde autóctones incendeiam estrangeiros a pretexto da defesa de empregos, se devem somente a causas "económicas, laborais, sociais e políticas", e não a motivações xenófobas.

Claro que não. Pretos, ainda por cima pobres, não experimentam sentimentos tão atrozes e, com franqueza, tão complexos. Na circunstância, o rapaz que espalha a gasolina e acende o fósforo não é menos vítima que o rapaz deixado a arder. Pelo menos, há que acreditar nisso com toda a força, sob pena de perturbar a harmonia do universo condescendente e um bocadinho infantil que os delírios da época criaram.

E que faz escola, comprovada na reacção da imprensa internacional face aos crimes na África do Sul: começou pelo desnorte e, sem que os crimes diminuíssem, em poucos dias passou ao desinteresse. É natural. Ao recusar qualquer vestígio de humanidade aos pretos, a todos os pretos e a todas as minorias que alimentam a retórica do oprimido, o "multiculturalismo" espanta-se sempre que o oprimido se revela gente. E depois volta-lhe as costas, o que também é natural: gente, gente boa, má, complexa e contraditória não constitui assunto para o actual caldo de ignorância, ocupado a acarinhar clichés. O racismo enfeita-se com pechisbeques, mas não morre. E o jovem escritor português, folgo em informar, abandonou Maputo igualmente vivo.

Quarta-feira, 4 de Junho