Sunday, August 19, 2007

ANACLETO O CEIFADOR DE MILHEIRAIS

O VELHO FRANCISCO

A entrevista de Francisco Anacleto Louçã ao DN constitui, como sempre acontece com a personagem, um exercício de nostalgia pelas piores derivas do Maio de 68. Louçã é um produto desse tempo que, por azaradas contingências, vive neste. Sob o discurso vagamente institucional, palpitam os conceitos e os achaques da época: destruição; transformação ("estrutural", claro); confronto; ataque; luta. E não faltam a desqualificação dos adversários a título de "burgueses", a denúncia do capitalismo "predador" e o proverbial ódio aos ricos, que usurpam o "trabalho dos outros". Na entrevista, falou-se da eventual transição do Bloco para o poder, agora na Câmara de Lisboa, um dia em coligação nacional. Louçã reagiu com esperado nojo. Julgo que com sinceridade, também. É verdade que, gradualmente, o activismo militante de 1968 se dissolveu no conformismo (burguês, não esquecer). Na Alemanha, Joschka Fischer chegou a defender a Nato. Na França, Bernard Kouchner chegou ao executivo de Sarkozy. Mas os traidores não são os modelos de Louçã. O Timoneiro do BE imobilizou-se nos valores "românticos" do movimento, o racismo social, o desprezo pelo Ocidente e o fascínio pelas "vanguardas" latinas, a simpatia discreta por terrorismos vários, a urgência revolucionária. Ao invés do mundo, Louçã, impermeável a dúvidas, não mudou. Ignoro se um dia ele mudará, a ponto de alcançar o Governo e ceder, em definitivo, ao "sistema". Mas sua tragédia é constatar que já cedeu, quando de facto ainda gostaria de o reduzir a cinzas. Fogachos ocasionais, como o dos vagabundos aplaudidos por dirigentes do Bloco, que sexta-feira arrasaram, no Algarve, uma plantação de milho transgénico e deixaram uma família na miséria, são a insurgência possível, não a desejada. O contexto condenou Louçã a uma resignação vexatória, mitigada por retórica ardente e pouco mais. Removido o perpétuo esgar de arrogância, é fundamental supormos Louçã infeliz.

ALBERTO GONÇAVES/DN

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